sexta-feira, 4 de março de 2022

O cogumelo e a rosa

 Leituras para distrair

Sei bem pouco de outros da minha geração sobre as lembranças dos tempos da Guerra Fria. Os acontecimentos correntes fizeram-me ver que nunca conversei muito sobre isso, e também que algumas lembranças ficaram. 

As lembranças mais nítidas são dos testes atômicos que eram realizados pelos Estados Unidos (EUA) e pela União Soviética (URSS) em regiões relativamente isoladas do mundo. 

Não tínhamos acesso à TV e as notícias chegavam por jornais e rádio. Sabíamos mais dos testes nucleares americanos, e os jornais publicavam imagens do pavoroso "cogumelo atômico", sempre com ameaças da possibilidade de uma merda daquelas explodir sobre nossas cabeças a qualquer momento. A figura lírica da "Rosa de Hiroshima" foi criada pelo Vinícius em 1946, logo após as bombas em Hiroshima e Nagasaki, mas só viria a ser popularizada nos anos 70 com o Ney Matogrosso. Naquela época, o terror era o tal cogumelo. 

Outra lembrança marcante, essa de um fato mais específico, foi a da "crise dos mísseis em Cuba", quando os EUA impuseram um bloqueio naval para impedir a chegada de uma frota soviética que estava a caminho da ilha com materiais para a construção de uma base de mísseis. 

Após a invasão frustrada dos EUA à ilha de Cuba (Baia dos Porcos), o governo da ilha tratou com a URSS a instalação de uma base de mísseis balísticos, praticamente no quintal dos EUA. Para os americanos a autodeterminação do povo cubano era uma ameaça ao seu território, e bloquearam o acesso à ilha enquanto para lá se dirigiam navios soviéticos, e o impasse chegou ao limiar de um conflito nuclear (qualquer coisa parecida com a crise atual envolvendo Ucrânia, OTAN (leia-se EUA) e Rússia não será coincidência). 

Foram dias de grande pavor, acho que para o mundo. Ainda crianças não compreendíamos o que estava ocorrendo. Ouvíamos sobre o risco de uma tal guerra atômica e destruição total do mundo. No meu caso, decorávamos os afluentes do rio Amazonas, mas sem qualquer visão sobre geografia política. Mal sabia sobre o Peru onde nascia o rio Amazonas, e muito menos sobre os Estados Unidos, União Soviética ou Cuba. 

A minha iniciante escolarização de ginasial já estava além da precária escolarização primária dos meus pais, desse modo não havia muita informação em casa. Lembro-me de um professor que, sem muito sucesso, esforçou-se em traduzir para a nossa turma de escola sobre o que estava ocorrendo. 

Hoje percebo que em minha imaginação infantil não tinha sequer noção sobre escala de tempo. Na crise dos mísseis, as bombas de Hiroshima e Nagasaki tinham explodido sobre os japoneses a menos de 20 anos, precisamente 17 anos se contabilizarmos o período de 1945 até 1962. Para os adultos da minha infância tinha sido "ontem".  

Para uma melhor comparação: o 11 de setembro 2001, derrubada das torres gêmeas do WTC, já está mais distante para nós do que a distância em tempo entre a bomba sobre Hiroshima e a crise dos mísseis de Cuba para os nossos pais. Fico tentando imaginar como deve ter sido angustiante para a galera daquela geração (nossos pais) a ameaça de um conflito atômico no qual todos iriam se fuder, e sem qualquer chance de reagir. O conflito OTAN – Rússia - Ucrânia parece estar trazendo de volta esse tipo de pesadelo. 

É claro que a guerra não é uma novidade na história da humanidade. Ela é o limite da política que, por sua vez, reflete uma luta entre as classes sociais. Mas, é foda quando sabemos a classe dominante, visando manter o seu status, está sacrificando até a continuidade da espécie, destruindo o seu suporte ecológico. Nessas condições, uma autodestruição imediata, atômica, já não parece tão absurda. 

A idade afasta de mim o que seria um natural medo da morte – cago pra ela. Mas, entristece-me a ideia que os meus netos, já obrigados a viver com as restrições de condições ambientais do planeta, tenham também que crescer e conviver com essa porra dessa ameaça. Penso bastante nisso. Tomara que tudo não passe de apreensões infundadas de um vovô velhinho e superprotetor.  

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