sábado, 6 de março de 2021

Bacurau

Leituras para distrair

Trocando mensagens com um querido amigo ele usou a expressão “Comigo não, bacurau ! ”. E isso foi o mote para esticarmos conversa sobre a palavra “bacurau”. Segundo esse amigo, “... só quem tem raízes telúricas conhece e já viu o bacurau”, e ficou de recuperar uma crônica de autoria do seu avô paterno intitulada “O bacurau” que ele guarda entre relíquias da família.

 Engraçado que para a web, hoje, é preciso distinguir o termo bacurau entre a  “ave” e o “filme”. O filme é uma produção nacional de 2019 sobre um povoado do sertão brasileiro explorado por um chefe político local que chega a tirar a cidade do mapa e a contratar matadores profissionais para dizimar os moradores em nome dos seus interesses. A trama se desenvolve narrando a reação dos moradores.

 A ave é uma de hábitos noturnos que, por esse fato e sua própria aparência, às vezes é confundida com a coruja, embora não haja parentesco entre os dois tipos de pássaros. Tem um canto curioso que parece falar “amanhã eu vou!”, e há uma lenda associada ao canto do bacurau. Vale procurar saber.

Quando menino caçávamos passarinhos em um sítio/fazenda num bairro de Saigon, chamado Monjolos (para o pessoal local é Munjolos), que na época era uma vila quase isolada dos bairros populosos. Bem cedo aprendi a lidar com espingardas de “cartucho” (vários calibres)   e também de “projétil” (calibre 22). Matávamos passarinhos por motivo torpe, apenas pelo prazer de disparar contra aquele tipo de alvo.

A única regra ética que seguíamos era a proibição de atirar em “sabiá laranjeira”. Só podíamos atirar em “sabiá  poca”. Com isso, naturalmente, aprendi a distinguir um do outro. Nunca tive relação de afeição com animais e a consciência da sacanagem que era atirar nos passarinhos só veio mais tarde. Mas, no contexto de então, a prática não era considerada um absurdo. O caseiro do sítio (chamava-se Zé Magro) alimentava-se exclusivamente de caça, e alguns moradores próximos também consumiam caça, embora não regularmente.

 Um dos moleques era exímio com a “seta” (atiradeira) e batia todos os demais, não importava que armas tivessem. Ele tinha aquela habilidade desde muito criança, e os pais contavam que, certa vez, era início da noite, ele entrou correndo em casa (em Saigon) dizendo ter abatido uma coruja e contando vantagens. Os pais foram verificar e constataram que ele matou um bacurau. E esse foi o apelido que ele ganhou e que já tinha quando o conheci. Poucos sabiam o seu nome  verdadeiro e ele respondia naturalmente por Bacurau.

 Essa história transformou em ponto de honra e indicador de qualificação entre a molecada saber distinguir um bacurau de uma coruja, e não correr o risco de pagar o mico do Bacurau.

Não lembro mais o nome de batismo de Bacurau, que era primo de um falecido compadre. Quando perdi o contato, Bacurau estudava odontologia. Não sei se foi chamado de Dr. Bacurau.     

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