segunda-feira, 29 de abril de 2013

O afago do senador

Crônicas de militante


Era ano de Congresso Constituinte – 1988. Vários de nós, empregados em empresas estatais, estávamos em Brasília trabalhando no convencimento dos parlamentares para a aprovação da proposta de anistia aos trabalhadores de empresas estatais demitidos pela participação em movimento grevista. Alguns eram voluntários dedicando suas férias ou folgas em prol do movimento, outros eram dirigentes ou representantes sindicais liberados, e outros eram os próprios demitidos, aqueles que se dispuseram a participar da base de atuação montada no Congresso Nacional pelas entidades de categoria formando o “Comitê das Estatais”.

O convencimento ou lobby não era simples nem agradável. Tínhamos que abordar, tentar conversar e convencer a votar em favor da anistia justamente os parlamentares conservadores, a maioria deles representantes dos grupos ou das causas que motivaram as greves. Eles, por sua vez, sabiam que a parte maior dos que os abordavam eram figuras de destaque, cabeças ou lideranças dos movimentos grevistas em suas empresas nos diversos estados do Brasil, militantes ativos no movimento sindical e também nos diferentes partidos de esquerda.

Certo dia, a nossa missão era abordar um parlamentar ex-militar, liderança no golpe de 64, um destacado constituinte, senador de um partido da direita, que sabia bastante sobre a militância de esquerda e suas representações, seus inimigos, em especial a CUT.

Fomos recebidos com respeito e cordialidade, e ouvidos com atenção. O senador  fez algumas ponderações e contestações sobre como ele via o histórico da nossa atuação, sempre procurando algum elemento ou motivação que permitisse nos despachar sem contradizer a sua fama de, embora conservador, democrata.

Para o senador aquela também não era uma tarefa simples. Nossa abordagem era cuidadosa, identificando-nos com a causa da anistia, sem referências ideológicas ou partidárias. Não dávamos motivos para ele nos despachar. Éramos representados pelos colegas mais experientes e julgados com melhor preparação para as abordagens dos parlamentares considerados especiais pela sua representatividade política no congresso ou no seu partido.

Conversa vai e vem, transmitimos a nossa mensagem. O senador foi cordial todo o tempo com os jovens rebeldes. Com um braço sobre os nossos ombros nos dava tapinhas camaradas nas costas enquanto com a mão aberta do outro braço afagava carinhosamente o nosso peito entre a camisa e o paletó. Parecia um conselheiro mais velho orientando um jovem querido, um filho, sobrinho ou parente próximo.

Sabíamos porém que a raposa buscava os nossos broches de militância, do sindicato, da CUT ou do partido. Ele sabia que estava falando com militantes mais experientes, que era nossa prática ostentar estes adereços e que possivelmente estariam escondidos sob o paletó durante a entrevista.

Felizmente esta situação era prevista, aliás, justamente por conta destas situações a nossa organização determinava quem deveria ser abordado, por quem e, se possível, quando isto deveria ocorrer, Mesmo assim, nesse dia foi por um triz. O meu companheiro estava com uma estrelinha do PT na parte inferior do paletó. Por sorte, bem no fundo, quase no sovaco, e o senador não detectou.

A visita valeu. Depois o senador recebeu outras visitas e foi talvez a figura principal na defesa da nossa proposta de emenda que foi vitoriosa e anistiou os demitidos das estatais, entre eles, nós, os demitidos do setor de Telecom.

3 comentários :

  1. Belíssima lembrança Jorge. Tempos difíceis mais vitoriosos. Um abraço.

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  2. Jorge,

    Suas memórias vão puxando outras e a gente acaba se recordando de algo similar.
    Estávamos 3 dos nossos com a incumbência de visitar um dos Deputados mais conservadores do Congresso Nacional, para tratar da defesa do monopólio estatal das telecomunicações na Constituição de 1988.
    Esse parlamentar havia sido, inclusive, governador indicado pelo regime militar, de importante Estado da Federação.
    Chegamos ao gabinete do parlamentar e fomos recebidos pelo chefe de gabinete. Assim que nos apresentamos como sendo do setor de telecomunicações interessados em falar o com parlamentar, de pronto nos perguntou: vocês são de esquerda ou de direita? De bate pronto, um dos nossos respondeu: somos técnicos. Ao que ele retrucou: É, porque se fossem de esquerda já tinha um porrete aqui para botar vocês pra fora.
    Bom, o parlamentar não estava no gabinete, naquele momento, marcamos para um outro dia, mas a resposta desarmou o "pautrulheiro".
    Por sinal o parlamentar hoje está mais próximo daqueles que chamava de esquerda, do que poderíamos imaginar.

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  3. Grande Hercílio,
    Acho que construímos bons caminhos. Hoje podemos voltar e passear por eles, sem constrangimentos e falando sobre suas histórias. Abraços.

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