segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Notas para a Educação

Em setembro de 2011 a revista Veja publicou um texto da Lya Luft sobre educação com o título "Educação: reprovada". Um amigo leu, gostou e divulgou o texto que serviu de base para alguns comentários sobre o assunto e que reproduzo a seguir:


 Amigo,

Abri e li sua mensagem ontem, à noite, quando estava assistindo na TV um programa que discutiu a Educação (Brasilianas.org).

Tentei organizar o meu pensamento sobre o assunto orientando-me pelo artigo que você encaminhou e que gostamos (já me inclui) tanto. Apoiei-me em duas afirmações que, a meu ver, refletem as alternativas vislumbradas pela Lia Luft para as suas indignações.

"... Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada."
" ... Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. "

Arrisco afirmar que a Lia Luft imagina as suas propostas realizadas dentro das regras institucionais, assim o que existe de concreto hoje e que mais se aproxima das alternativas citadas é o Plano Nacional de Educação - PNE.

O PNE é um projeto de lei (PL 8035/2010) encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo federal, em dezembro de 2010, propondo 20 metas de quantidade e de qualidade para a educação no Brasil nos próximos 10 anos (2011 - 2020). Além das metas , o PNE contém propostas de estratégias para o alcance das mesmas e "notas técnicas" que são informações e análises visando dar consistência às propostas e apresentando os valores atuais e os custos futuros para o cumprimento de cada uma das metas.

O projeto de lei está na Câmara dos Deputados onde já recebeu cerca de 3000 emendas. Não sei o ritual de tramitação. Até onde eu sei, ponto mais polêmico é a Meta 20 que determina um crescimento gradual dos investimentos em educação dos atuais 5% do PIB (2009) para 7% do PIB até o ano 2020.

Estes números significam (em relação ao PIB 2009 que foi três trilhões de reais) passar os investimentos em educação dos atuais 157 bilhões para 220 bilhões de reais.

Há os que acham que a grana é pouca e apontam 10% do PIB. Outros acham muito. Uns apontam que se trata de uma merreca face aos ao que se paga por juros da dívida externa. Há os que acham uma falácia usar porcentagem do PIB como referência, na medida em que "PIB" não é item de orçamento público em nenhuma das instâncias, federal, estadual ou municipal. Acham que os compromissos precisam estar vinculados à receita fiscal. Há, naturalmente, os lobbies que encaminham propostas que lhes beneficiarão quando aprovadas. Enfim, há de tudo.

Se eu encontrasse a Lia Luft, quem sabe num dos recitais poéticos que a ####  participa, ou num lançamento de um livro da ####, ou, ainda, em uma apresentação de um soneto do ###, eu tentaria convencê-la a ir além das suas afirmações que são afirmações de princípios, mas que precisam ser operacionalizadas.  Eu tentaria convencê-la a:

a) Divulgar propostas específicas para a realização dos princípios que ela defende no texto e

b) Desafiar o governo federal a priorizar a viabilização do PNE que ele próprio encaminhou ao Congresso.

Eu sugeriria:

a) Que ela estudasse ou buscasse saber por fontes que sejam referência para ela quais são as principais questões que ela defenderia ou mudaria no PNE;

b) Que ela utilizasse os espaços de divulgação que dispõe, para divulgar os pontos que apóia ou rejeita, mesmo que fosse o PNE como um todo;

c) Que ela fizesse isto sempre desafiando o governo federal a priorizar este assunto atuando junto ao Congresso, como ele costuma fazer em situações que define como prioritárias.

O próprio governo argumenta que apresentou uma proposta para a educação, mas que precisa ser debatida, ser negociada, barganhada com outras parcialmente divergentes ou totalmente conflitantes.

Eu concordo com esta linha de atuação, embora não creia que esta seja a determinação do governo Dilma, como não foi do governo Lula. Daí eu achar que o governo precisa ser desafiado a provar o seu comprometimento com as suas propostas.

Acho necessário que a sociedade intervenha e que atue para retirar o debate da exclusividade do poder legislativo que não é sequer um debate partidário. Não com campanhas genéricas do tipo "basta de corrupção" ou "contra a violência" nem "pela educação". Mas, com propostas específicas, comprometidas, nas quais se identifique com clareza quem estará a favor e quem estará contra. A identificação das motivações será uma consequência.

A educação é um direito da população, ao nível da alimentação e da saúde. Não acho que seja a tábua de salvação para o país, mas esta é uma questão para depois. Seria muito bom que pessoas com possibilidade de fazerem repercutir as suas opiniões, além de manifestarem as suas indignações, o seu "basta!", que avançassem que se comprometessem com as suas opiniões e propostas, tornando-se núcleos de aglutinação dos debates e de influência nas decisões.

Jorge  - 04 de outubro de 2011 

######

A mensagem que recebi:

Sem uma revista que costuma me dar asco é essa tal de Veja. Hoje no consultório da Dra. Ana só tinha Veja e Caras para ler. Entre um lixo e outro, acabei folheando uma Veja e, para minha surpresa, li um belo texto da Lia Luft (eu gosto dela escrevendo, e foi o que me chamou a atenção para ler a Veja em vez da Caras naquele exato momento) sobre Educação logo no início da revista. Em face do teor do texto, cheguei em casa e fui para a Internet copiar para o ###. Segue em anexo, para nossas discussões de amanhã .  

#### – segunda-feira, 3 de outubro de 2011

EDUCAÇÃO: REPROVADA
Lya Luft
Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária, recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim, tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes, deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho. Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São, de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país. Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é incrivelmente baixa.

Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes analfabetos.

Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores, algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.

Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites, nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço, disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?

Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça. Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará, como agora, escandalosamente reprovada.


[TEXTO PUBLICADO NA REVISTA VEJA 2234 - 14/09/2011 - pg. 24]

#####

Nenhum comentário:

Postar um comentário