Em setembro de 2011 a revista Veja publicou um texto da Lya Luft sobre educação com o título "Educação: reprovada". Um amigo leu, gostou e divulgou o texto que serviu de base para alguns comentários sobre o assunto e que reproduzo a seguir:
Amigo,
Abri e li sua mensagem
ontem, à noite, quando estava assistindo na TV um programa que discutiu a
Educação (Brasilianas.org).
Tentei organizar o meu
pensamento sobre o assunto orientando-me pelo artigo que você encaminhou e que
gostamos (já me inclui) tanto. Apoiei-me em duas afirmações que, a meu ver,
refletem as alternativas vislumbradas pela Lia Luft para as suas indignações.
"... Faxinar a
ignorância – que é uma outra forma de miséria – exigiria que nos orçamentos da
União e dos estados a educação, como a saúde, tivesse uma posição
privilegiada."
" ... Precisamos de
atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a escola,
prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso considerável: fora
isso, não haverá solução. "
Arrisco afirmar que a Lia
Luft imagina as suas propostas realizadas dentro das regras institucionais,
assim o que existe de concreto hoje e que mais se aproxima das alternativas
citadas é o Plano Nacional de Educação - PNE.
O PNE é um projeto de lei
(PL 8035/2010) encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo federal, em
dezembro de 2010, propondo 20 metas de quantidade e de qualidade para a
educação no Brasil nos próximos 10 anos (2011 - 2020). Além das metas , o PNE
contém propostas de estratégias para o alcance das mesmas e "notas
técnicas" que são informações e análises visando dar consistência às
propostas e apresentando os valores atuais e os custos futuros para o
cumprimento de cada uma das metas.
O projeto de lei está na
Câmara dos Deputados onde já recebeu cerca de 3000 emendas. Não sei o ritual de
tramitação. Até onde eu sei, ponto mais polêmico é a Meta 20 que determina um
crescimento gradual dos investimentos em educação dos atuais 5% do PIB (2009)
para 7% do PIB até o ano 2020.
Estes números significam (em
relação ao PIB 2009 que foi três trilhões de reais) passar os investimentos em
educação dos atuais 157 bilhões para 220 bilhões de reais.
Há os que acham que a grana
é pouca e apontam 10% do PIB. Outros acham muito. Uns apontam que se trata de
uma merreca face aos ao que se paga por juros da dívida externa. Há os que
acham uma falácia usar porcentagem do PIB como referência, na medida em que
"PIB" não é item de orçamento público em nenhuma das instâncias,
federal, estadual ou municipal. Acham que os compromissos precisam estar
vinculados à receita fiscal. Há, naturalmente, os lobbies que encaminham
propostas que lhes beneficiarão quando aprovadas. Enfim, há de tudo.
Se eu encontrasse a Lia
Luft, quem sabe num dos recitais poéticos que a #### participa, ou num lançamento de um livro da ####,
ou, ainda, em uma apresentação de um soneto do ###, eu tentaria convencê-la a
ir além das suas afirmações que são afirmações de princípios, mas que precisam
ser operacionalizadas. Eu tentaria
convencê-la a:
a)
Divulgar propostas específicas para a realização dos princípios que ela defende
no texto e
b)
Desafiar o governo federal a priorizar a viabilização do PNE que ele próprio
encaminhou ao Congresso.
Eu sugeriria:
a) Que ela estudasse ou
buscasse saber por fontes que sejam referência para ela quais são as principais
questões que ela defenderia ou mudaria no PNE;
b) Que ela utilizasse os
espaços de divulgação que dispõe, para divulgar os pontos que apóia ou rejeita,
mesmo que fosse o PNE como um todo;
c) Que ela fizesse isto
sempre desafiando o governo federal a priorizar este assunto atuando junto ao
Congresso, como ele costuma fazer em situações que define como prioritárias.
O próprio governo argumenta
que apresentou uma proposta para a educação, mas que precisa ser debatida, ser
negociada, barganhada com outras parcialmente divergentes ou totalmente
conflitantes.
Eu concordo com esta linha
de atuação, embora não creia que esta seja a determinação do governo Dilma,
como não foi do governo Lula. Daí eu achar que o governo precisa ser desafiado
a provar o seu comprometimento com as suas propostas.
Acho necessário que a
sociedade intervenha e que atue para retirar o debate da exclusividade do poder
legislativo que não é sequer um debate partidário. Não com campanhas genéricas
do tipo "basta de corrupção" ou "contra a violência" nem
"pela educação". Mas, com propostas específicas, comprometidas, nas
quais se identifique com clareza quem estará a favor e quem estará contra. A
identificação das motivações será uma consequência.
A educação é um direito da
população, ao nível da alimentação e da saúde. Não acho que seja a tábua de
salvação para o país, mas esta é uma questão para depois. Seria muito bom que
pessoas com possibilidade de fazerem repercutir as suas opiniões, além de
manifestarem as suas indignações, o seu "basta!", que avançassem que
se comprometessem com as suas opiniões e propostas, tornando-se núcleos de
aglutinação dos debates e de influência nas decisões.
Jorge - 04 de outubro de 2011
######
A mensagem que recebi:
Sem uma revista que costuma me dar asco é essa tal de Veja.
Hoje no consultório da Dra. Ana só tinha Veja e Caras para ler. Entre um lixo e
outro, acabei folheando uma Veja e, para minha surpresa, li um belo texto da
Lia Luft (eu gosto dela escrevendo, e foi o que me chamou a atenção para ler a
Veja em vez da Caras naquele exato momento) sobre Educação logo no início da
revista. Em face do teor do texto, cheguei em casa e fui para a Internet copiar
para o ###. Segue em anexo, para nossas discussões de amanhã .
#### – segunda-feira, 3 de outubro de 2011
EDUCAÇÃO: REPROVADA
Lya Luft
Há quem diga que sou otimista demais. Há quem diga que sou
pessimista. Talvez eu tente apenas ser uma pessoa observadora habitante deste
planeta, deste país. Uma colunista com temas repetidos, ah, sim, os que me
impactam mais, os que me preocupam mais, às vezes os que me encantam
particularmente. Uma das grandes preocupações de qualquer ser pensante por aqui
é a educação. Fala-se muito, grita-se muito, escreve-se, haja teorias e
reclamações. Ação? Muito pouca, que eu perceba. Os males foram-se acumulando de
tal jeito que é difícil reorganizar o caos.
Há coisa de trinta anos, eu ainda professora universitária,
recebíamos as primeiras levas de alunos saídos de escolas enfraquecidas pelas
providências negativas: tiraram um ano de estudo da meninada, tiraram latim,
tiraram francês, foram tirando a seriedade, o trabalho: era a moda do “aprender
brincando”. Nada de esforço, punição nem pensar, portanto recompensas perderam
o sentido. Contaram-me recentemente que em muitas escolas não se deve mais
falar em “reprovação, reprovado”, pois isso pode traumatizar o aluno, marcá-lo
desfavoravelmente. Então, por que estudar, por que lutar, por que tentar?
De todos os modos facilitamos a vida dos estudantes,
deixando-os cada vez mais despreparados para a vida e o mercado de trabalho.
Empresas reclamam da dificuldade de encontrar mão de obra qualificada, médicos
e advogados quase não sabem escrever, alunos de universidades têm problemas
para articular o pensamento, para argumentar, para escrever o que pensam. São,
de certa forma, analfabetos. Aliás, o analfabetismo devasta este país.
Não é alfabetizado quem sabe assinar o nome, mas quem o sabe assinar embaixo de
um texto que leu e entendeu. Portanto, a porcentagem de alfabetizados é
incrivelmente baixa.
Agora sai na imprensa um relatório alarmante. Metade das crianças
brasileiras na terceira série do elementar não sabe ler nem escrever. Não
entende para o que serve a pontuação num texto. Não sabe ler horas e minutos
num relógio, não sabe que centímetro é uma medida de comprimento. Quase a
metade dos mais adiantados escreve mal, lê mal, quase 60% têm dificuldades
graves com números. Grande contingente de jovens chega às universidades sem
saber redigir um texto simples, pois não sabem pensar, muito menos expressar-se
por escrito. Parafraseando um especialista, estamos produzindo estudantes
analfabetos.
Naturalmente, a boa ou razoável escolarização é muito maior
em escolas particulares: professores menos mal pagos, instalações melhores,
algum livro na biblioteca, crianças mais bem alimentadas e saudáveis – pois o
estado não cumpre o seu papel de garantir a todo cidadão (especialmente a
criança) a necessária condição de saúde, moradia e alimentação.
Faxinar a miséria, louvável desejo da nossa presidenta, é
essencial para nossa dignidade. Faxinar a ignorância – que é uma outra forma de
miséria – exigiria que nos orçamentos da União e dos estados a educação, como a
saúde, tivesse uma posição privilegiada. Não há dinheiro, dizem. Mas políticos
aumentam seus salários de maneira vergonhosa, a coisa pública gasta nem se sabe
direito onde, enquanto preparamos gerações de ignorantes, criados sem limites,
nada lhes é exigido, devem aprender brincando. Não lhes impuseram a mais
elementar disciplina, como se não soubéssemos que escola, família, a vida
sobretudo, se constroem em parte de erro e acerto, e esforço. Mas, se não
podemos reprovar os alunos, se não temos mesas e cadeiras confortáveis e teto
sólido sobre nossa cabeça nas salas de aula, como exigir aplicação, esforço,
disciplina e limites, para o natural crescimento de cada um?
Cansei de falas grandiloquentes sobre educação, enquanto não
se faz quase nada. Falar já gastou, já cansou, já desiludiu, já perdeu a graça.
Precisamos de atos e fatos, orçamentos em que educação e saúde (para poder ir a
escola, prestar atenção, estudar, render e crescer) tenham um peso
considerável: fora isso, não haverá solução. A educação brasileira continuará,
como agora, escandalosamente reprovada.
[TEXTO PUBLICADO NA REVISTA VEJA 2234 - 14/09/2011 - pg. 24]
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