sábado, 22 de novembro de 2025

Teje preso!

 Opinião

 

Hoje foi um dia especial – 22 de novembro. Acordei lembrando a Revolta da Chibata e João Cândido, talvez meu herói nacional preferido. Nunca passo a data sem pensar no que ela representa.

Antes de ver as notícias, li uma mensagem sobre a prisão do Bozo e não entendi de imediato. Achei que fosse só formalização das condenações, até perceber que era prisão preventiva. Liguei a TV e confirmei.

A partir daí o dia virou um turbilhão de notícias, comentários e memes sobre o enquadramento do ex-presidente fascista. Até o encerramento da COP 30 ficou em segundo plano. A galera progressista comemorou numa catarse cheia de simbolismos.

Mesmo assim, em minhas ingênuas elucubrações algumas coisas não fecham. Apesar da alegria de ver o Bozo preso, achei estranha a violação tosca da tornozeleira. Tenho ferros de solda, estanho, pasta e sugador em casa e sei usar. Aquela maquininha cheia de marcas de solda, parecendo tentativa infantil de abrir um brinquedo, não convence. Talvez expliquem depois, mas ali tem algo errado que não está certo.

A propósito, o número da tornozeleira – 85916-5 – deverá estar cotado nas apostas no jogo do bicho, essa contravenção ainda tolerada pela ética nacional. A milhar deve bombar.

Lembraram também que hoje é aniversário da deputada Maria do Rosário, aquela que o então deputado escroto, em 2014, disse que não estupraria porque ela “não merecia”. Imagino que ela tenha recebido a notícia como presente.

A festa para João Cândido pode passar despercebida, mas o 22 de novembro ganha agora novo significado. Assim funciona nossa história.

A canção de Aldir Blanc e João Bosco lembra que, nas águas da Guanabara, o dragão do mar reapareceu na figura de um bravo marinheiro. Poucos sabem que o “dragão do mar” é o jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde, que no fim do século XIX liderou os jangadeiros contra o embarque de escravizados no Ceará.

Chico da Matilde iluminou João Cândido no século seguinte, e acho que agora foi o Almirante Negro quem reapareceu para tornar este dia ainda mais memorável com a prisão de um fascista escroto. Quem sabe para compensar aquele almirante que aderiu ao golpe e ganhou 24 anos de cana por crime de organização criminosa e golpe de Estado?  Há motivos para celebrar!

Glória à farofa, à cachaça, às baleias e às lutas inglórias que não esquecemos. Salve o Almirante Negro, cujo monumento são as pedras pisadas do cais. ### (Jorge Santos – Rio, 22/11/2025)

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Um quantum de física

 Leituras para distrair

 

A física estuda os fenômenos da natureza em todas as escalas, buscando compreendê-los. O avanço desses estudos e observações tem revelado eventos em dimensões subatômicas que são invisíveis na escala humana e muitas vezes contrários ao senso comum.

Quando se fala em “escala”, vale uma pausa. O tamanho de um próton, por exemplo, é medido por seu “raio de carga”, da ordem de 10¹⁵ metros — um quatrilhão de vezes menor que o metro. Difícil até de imaginar.

Há partículas subatômicas chamadas mésons, presentes nos núcleos atômicos, cujo tempo de vida é de 10²⁴ segundos (elas se transformam em outras partículas), isso equivale a:

 

 0,000 000 000 000 000 000 000 001 s — um septilionésimo de segundo.

 

Essas quantidades são extraordinariamente pequenas, e a física quântica se ocupa justamente dos fenômenos que ocorrem nesse domínio que, embora pareçam distantes do cotidiano, eles são aspectos fundamentais da natureza. É o chamado mundo quântico.

Quando alguém afirma que uma partícula como o múon apresenta comportamento “estranhíssimo”, isso só impressiona o cientista que sabe o que  esperava observar, mas não traz qualquer surpresa para quem não faz a menor ideia do que seja um múon. Por isso, como em outras áreas, tenta-se traduzir para o público leigo as peculiaridades do mundo quântico por meio de analogias. Porém, quando replicadas sem cuidados, essas comparações trazem mais confusão do que esclarecimentos — sem contar quando se faz delas usos maliciosos.

Um dos fenômenos que deram origem à física quântica, e que inspirou seu nome, foi a constatação de que a energia de um sistema não varia de forma contínua, mas em quantidades discretas, pacotes, chamadas quanta (plural de quantum). Essa descoberta foi surpreendente porque, na experiência humana, as transformações de energia parecem sempre contínuas.

Pense em uma bola largada de certa altura. No alto, ela tem energia potencial,  ao cair, essa energia se converte em cinética (velocidade). Tudo parece ocorrer de forma suave, ininterrupta. Imaginar que a troca de energia se faz em “pacotes” — como se a bola caísse em saltos sucessivos, como em degraus de uma escada — soa absurdo para o senso comum.

Mas, em escala quântica, é exatamente isso que acontece. No caso de uma bola real, a diferença entre níveis de energia seria tão minúscula — trilhões de trilhões de níveis por milímetro — que se torna impossível de perceber. Por isso, no mundo macroscópico, o movimento parece contínuo, embora, em essência, resulte de um conjunto de trocas quantizadas.

Tentar aplicar diretamente as leis do mundo quântico à escala humana produz situações aparentemente absurdas, mas assim como a troca de energia em pacotes, fato experimentalmente comprovado, e que está na base de grande parte da tecnologia moderna, há outros efeitos quânticos que parecem estranhos ou absurdos para o senso comum, mas que são reais e indispensáveis para explicar a natureza.

Invisíveis ao olhar cotidiano, mas essenciais à estrutura da matéria, esses fenômenos desafiam o senso comum e isso provoca um fascínio, debates e avanços no conhecimento do nosso mundo. Eles estão ai, há mais de 100 anos, determinando praticamente todos os desenvolvimentos da tecnologia contemporânea.

Vale lembrar que a aparente contradição entre o mundo quântico e o senso comum também abriu espaço para os vendedores de ilusões. Multiplicam-se produtos e serviços “quânticos” — pomadas, terapias, rezas, e outros que usam o termo para soar científico e justificar absurdos. Esse charlatanismo é antigo, surgiu bem antes de Planck propor a energia quantizada, de Einstein introduzir o fóton como exemplo da quantização e de Bohr aplicar essas ideias para explicar a estabilidade dos átomos. ### (Jorge Santos – Rio, 07/11/2025).