quinta-feira, 19 de junho de 2025

Garrafinha, rodinha e vulcão

 

Leituras para distrair

 

Dia desses, em conversa com um marceneiro amigo que tem a difícil missão de inventar um armário para a minha diminuta casa, ele contou que sua iniciação profissional foi a construção de barraquinhas caseiras de vendas de fogos de artifícios no período de festas juninas.

A lembrança da minha infância em Saigon foi imediata. Embora não tenha determinado o meu destino profissional, algumas vezes eu também fiz barraquinhas para vender produtos juninos. As barraquinhas faziam parte do cenário daquele período especial que se estendia desde as festas de Santo Antônio, no início de junho, até São Pedro e Santana, no final de julho.

Na construção usávamos caixotes de frutas que eram pequenos, leves, descartáveis e de madeira sem valor. Assentados com a maior dimensão na vertical e com abas superiores em "V"' invertidos, imitando telhados de casinhas, eram ocupados com os produtos oferecidos para a venda. O conjunto era encapado com papel de embrulho (papel manilha) a título de decoração.

As “barraquinhas” diferenciavam-se segundo padrões capitalistas. Nas pouquíssimas vezes em que fiz, eram bem simples e com suprimento mínimo para vendas: fósforos de cor, estrelinhas, estalinhos e bombinhas. Mas, havia barraquinhas de grande porte. Bem decoradas, iluminadas com lanternas juninas e com diversidade de produtos para a venda. Vendiam “cabeça de nêgo”  e “garrafinha” que eram bombas de maior poder explosivo do que as bombinhas tradicionais.

Sofisticadas, as maiores barraquinhas vendiam diversos tipos de fogos de artifício: “rodinha”, “vulcão”, “busca-pé”  e “balão japonês”. Aos olhos de hoje tudo aquilo seria um absurdo. Fogos e explosivos nas mãos e comercializados por crianças nas portas de suas casas.

A rotina era montar a barraquinha na calçada, em frente de casa, e avançar a noite aguardando algum comprador, ao mesmo tempo em que observávamos o céu procurando por balões apagados ou apagando, caindo para corrermos atrás.

Os pais eram coniventes. Não por prática desleixada ou pelo lucro que viesse a ser obtido com as vendas nas barraquinhas e que, aliás,  era praticamente nulo. Mas, principalmente porque preferiam um moleque na calçada, proprietário  e responsável pelo seu negócio, do que em lugares distantes, vagabundeando com os demais, trocando experiências e se formando como homens mais rápido do que a criação familiar gostaria.

Hoje, nas regiões que conheço e convivo, as barraquinhas de fogos deixaram de existir, de ser brincadeiras infantis e opcionais, partes do universo das comemorações juninas. As crianças deixaram de brincar de comerciantes e muitas delas precisaram virar comerciantes de verdade. Barraquinhas foram trocadas por  pacotinhos de chicletes, saquinhos de amendoins, doces e bugigangas. Uma atividade de sobrevivência e obrigatória, imperativa de uma sociedade que degenerou da pobreza para a miséria.

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