Leituras para distrair
Dia desses, em conversa com um marceneiro amigo que tem a
difícil missão de inventar um armário para a minha diminuta casa, ele contou que
sua iniciação profissional foi a construção de barraquinhas caseiras de vendas
de fogos de artifícios no período de festas juninas.
A lembrança da minha infância em Saigon foi imediata. Embora
não tenha determinado o meu destino profissional, algumas vezes eu também fiz barraquinhas
para vender produtos juninos. As barraquinhas faziam parte do cenário daquele
período especial que se estendia desde as festas de Santo Antônio, no início de
junho, até São Pedro e Santana, no final de julho.
Na construção usávamos caixotes de frutas que eram pequenos,
leves, descartáveis e de madeira sem valor. Assentados com a maior dimensão na
vertical e com abas superiores em "V"' invertidos, imitando telhados
de casinhas, eram ocupados com os produtos oferecidos para a venda. O conjunto
era encapado com papel de embrulho (papel manilha) a título de decoração.
As “barraquinhas” diferenciavam-se segundo padrões
capitalistas. Nas pouquíssimas vezes em que fiz, eram bem simples e com
suprimento mínimo para vendas: fósforos de cor, estrelinhas, estalinhos e bombinhas.
Mas, havia barraquinhas de grande porte. Bem decoradas, iluminadas com
lanternas juninas e com diversidade de produtos para a venda. Vendiam “cabeça de
nêgo” e “garrafinha” que eram bombas de
maior poder explosivo do que as bombinhas tradicionais.
Sofisticadas, as maiores barraquinhas vendiam diversos tipos
de fogos de artifício: “rodinha”, “vulcão”, “busca-pé” e “balão japonês”. Aos olhos de hoje tudo
aquilo seria um absurdo. Fogos e explosivos nas mãos e comercializados por
crianças nas portas de suas casas.
A rotina era montar a barraquinha na calçada, em frente de
casa, e avançar a noite aguardando algum comprador, ao mesmo tempo em que
observávamos o céu procurando por balões apagados ou apagando, caindo para
corrermos atrás.
Os pais eram coniventes. Não por prática desleixada ou pelo
lucro que viesse a ser obtido com as vendas nas barraquinhas e que, aliás, era praticamente nulo. Mas, principalmente porque
preferiam um moleque na calçada, proprietário e responsável pelo seu negócio, do que em
lugares distantes, vagabundeando com os demais, trocando experiências e se formando
como homens mais rápido do que a criação familiar gostaria.
Hoje, nas regiões que conheço e convivo, as barraquinhas de
fogos deixaram de existir, de ser brincadeiras infantis e opcionais, partes do
universo das comemorações juninas. As crianças deixaram de brincar de
comerciantes e muitas delas precisaram virar comerciantes de verdade. Barraquinhas
foram trocadas por pacotinhos de
chicletes, saquinhos de amendoins, doces e bugigangas. Uma atividade de
sobrevivência e obrigatória, imperativa de uma sociedade que degenerou da
pobreza para a miséria.
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