quinta-feira, 17 de abril de 2025

Tarifaço e Concorrência

 Opinião

 

Acho um equívoco pensar que o Trump, ao amanhecer, dá uma espreguiçada e, enquanto jorra uma mijada matinal imperativa, resolve com os seus botões:

Hoje vou fazer um tarifaço e  aporrinhar o juízo do XI Jinping!

Certamente não é isso que ocorre, tenha sido, ou não, uma noite de festa na cama ao lado de dona Melania, embora as manchetes midiáticas e um jornalismo fajuto, que só sabe reforçar caricaturas, façam parecer assim.

O que assistimos e, por consequência, vivenciamos e sofremos,  é uma das mais importantes manifestações do modo de produção capitalista. O meio pelo qual as leis do capitalismo se manifestam e se impõem: *a concorrência,*

“A concorrência impõe a cada capitalista individual, como leis coercitivas externas, as leis imanentes do modo de produção capitalista. Obriga-o a ampliar continuamente seu capital a fim de conservá-lo, e ele não pode ampliá-lo senão por meio da acumulação progressiva” (Marx – O Capital – Livro I)

Naturalmente essas situações se manifestam no tempo com características conjunturais. Contudo, trata-se de um mesmo roteiro, embora agora desenvolvido em uma peça com representações insólitas: através de fantoches ou mamulengos, como é o caso do Trump.

Mas, nem por isso deixam de mostrar suas permanentes contradições. O sujeito quer sapecar tarifas nos produtos chineses, mas o americano, gado trumpista, ou não, não pode deixar de comprar celular nem computador. Então,  “revogue-se ou adapte-se a decisão!”

Mas, se esticar muito lá, o Musk, dono da Tesla, SpaceX, X  e novo secretário do Departamento de Eficiência perde dinheiro acolá. Novos ajustes são necessários.

O nome disso é “concorrência”. Segundo Max, são leis que decorrem do modo de produção e imperam sobre os capitalistas individuais independentemente de suas vontades.

Mark Zuckerberg, (Meta, Facebook, Instagram e WhatsApp); Jeff Bezos (Amazon); Tim Cook (Apple); Shou Zi Chew (TikTok); Sam Altman (Open AI); Sundar Pichai (Google) estavam todos lá, nas primeiras cadeiras durante a posse do ícone alaranjado. Todos resguardando seus interesses.

Esses são os caras que efetivamente estão provocando esse “pega pra capar” na ordem capitalista vigente. Fazem isso à moda Trump, desse jeito que parece atrapalhado. Em outros tempos seriam guerras com a população civil servindo de buchas de canhões.

O resultado, não tenhamos dúvidas, será pau no cu dos trabalhadores que sustentam essa canalha de filhos das putas. Desculpem-me as prostitutas, mas não abro mão do adjetivo. ### (Jorge Santos – Rio, 15/04/2025)

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Conjecturas

 Opinião

 

Sempre olhei com espanto aquelas cenas de enormes mobilizações populares alemães ovacionando Hitler e o seu governo nazista. Adultos diversos, jovens e até crianças abraçadas num ufanismo de raça superior e endossando o projeto de conquista e domínio do mundo numa guerra de âmbito mundial que matou mais de 70 milhões de pessoas.

Ignorante e capturado pela propaganda americana e europeia,  a minha referência sempre foi o nazismo alemão. Nunca me ative muito ao nazifascismo japonês de Hirohito e sua canalha, quase todos perdoados por interesses não menos canalhas que se satisfizerem com os cerca de 200 mil cadáveres de Hiroshima e Nagasaki.

Até certa época eu avaliava que os delírios absurdos e irracionais daquelas multidões resultavam tão somente da atuação de sujeitos com capacidades malignas excepcionais. Líderes políticos embusteiros, profetas do mal que convenciam populações oprimidas e desiludidas por não terem suas necessidades atendidas.

Com os aprendizados da vida e buscando o conhecimento de alguns pensadores do mundo, dei de cara com as indagações da filósofa Hannah Arendt sobre o que ela chamou de “banalidade do mal”.

Nos anos 60 do século 20, a filósofa alemã que vivia nos EUA, foi enviada por uma revista para cobrir o julgamento em Israel do carrasco nazista  Adolf Eichmann. Ela escreveu uma série de artigos que mais tarde foram reunidos em livro onde desenvolveu o conceito de banalidade do mal.

Em seus artigos, Arendt se contrapôs ao julgamento “espetáculo” que apontava o carrasco nazista como um super vilão. Arendt ressalvava que, em hipótese alguma, Eichmann deveria ser perdoado por suas atrocidades, mas em vez de apontá-lo como uma excepcionalidade humana e expressão encarnada do mal – como estava ocorrendo no julgamento – seria mais importante buscar saber porque indivíduos que eram “comuns” em suas práticas cotidianas, ao vestirem-se de oficiais nazistas incorporaram as atrocidades como fossem suas rotinas de trabalho e onde o mal era apenas uma tarefa a ser realizada como cumprimento de ordens.

Afinal, quais seriam as condições que levavam a esse tipo de situação? – Essa foi uma questão proposta pela Hannah Arendt.

Para Arendt, Eichmann era um criminoso que devia ser punido, porém o fenômeno a ser estudado não era a figura dos carrascos em si, mas quais as condições que levavam seres humanos comuns a praticarem os horrores nazifascistas até sob olhares da população civil que foram, no mínimo, tolerantes ou indiferentes.

As teses da Hannah Arendt, os contextos e circunstâncias de suas formulações são objetos de estudos de historiadores e pesquisadores, não desejo nem  tenho capacitação para tratá-los aqui. Mas, as leituras de suas observações mudaram o foco de minhas compreensões e avaliações de certas situações políticas, especialmente no momento atual onde figuras como Trump, Millei e Bozo chegam ao poder por vontade e voto de uma maioria da população.

Trump, em âmbito internacional, e seus dois macaquitos aqui, nos quintais dos EUA, são, de fato, figuras especialmente malévolas. Mas, o que dizer das multidões que os apoiam e que os levaram ao poder apesar de saberem sobre todos os valores que defendem e praticam?

Não se pode dizer que são casos de propaganda enganosa. Ainda assim, homens, mulheres, jovens, grupos familiares, religiosos, pessoas diariamente  engajadas em suas atividades de garantia de sustento, deslocam-se, reúnem-se, manifestam-se em apoio a esses líderes e suas bandeiras que incluem: discriminação, enganação, misoginia, violência, tortura e até assassinatos. Isso parece estar bem além de necessidades básicas insatisfeitas e inconformidade com as tratativas governamentais que estão sendo dadas.

Se o mal não é intrínseco da natureza humana, se não nascemos assim, então como criamos ou permitimos a criação das condições em que ele tem germinado e florescido com tanto vigor?

Não sei responder nem tenho a expectativa de respostas comprovadas, mas tento fazer conjecturas e gostaria de saber daquelas que outros tenham feito. ### (Jorge Santos – Rio, 12/04/2025)