Opinião
Hoje é
feriado nacional, celebração do vulto histórico Tiradentes e também do
nascimento da agora sessentona Brasília. Em outras circunstâncias seria um
daqueles feriados bons de curtir. No Rio
faz um dia bonito e agradável. Descanso do trabalho, reuniões com amigos, com a
família, cair na gandaia pra quem tem o hábito, bebericar umas cachaças ou
apenas ficar “coçando”, aproveitando um merecido dia de lazer. Mas, o coronavírus
virou tudo de cabeça pra baixo, ou de ponta
cabeça como dizem os paulistas. Isolados ou não, nada está normal. Esse
feriado está mais com cara de enforcamento do que de aniversário.
Sem a
alternativa de desfrutar as alegrias da
folga, é possível viajar mentalmente pela representatividade da data. Mas, cá
pra nós, não é passeio de grande prazer. O principal homenageado é um herói
que a historiografia oficial nos
empurrou goela abaixo desde os textos didáticos infantis. Um mito fabricado nas
coxas, parido da necessidade de um símbolo para o golpe militar que criou nossa
controversa república .
Nosso herói
ganhou o apelido de “mártir da independência”, mas foi o bucha de um grupo que
não queria pagar impostos à coroa portuguesa, e para os quais a ideia de uma autonomia para a
região onde viviam pareceu boa alternativa. Faz-me lembrar alguns empresários
que em nome de seus interesses já fizeram várias tentativas de emancipar a
região do bairro de Alcântara em São Gonçalo (RJ) criando um novo município,
aliás prática recorrente em todo o país. A ideia de independência do Brasil que
cultivamos nem passava pela cabeça dos chamados inconfidentes e o próprio
conceito de “Brasil”, se existia, era embrionário.
Fosse hoje,
quem sabe, os tais inconfidentes teriam montado um “impostômetro” igual aquele patrocinado pelos
coxinhas da Associação Comercial de São Paulo, além de organizar uma caixinha para a eleição de parlamentares que garantiriam jogar para as costas dos
trabalhadores as obrigações devidas pelos seus lucros.
De qualquer
forma, não tenho competência para fazer tratados nem defesa de teses históricas,
apenas comento sobre fatos que são de conhecimento geral. Mesmo assim, resguardo o respeito pelo símbolo
que é legalmente o Patrono Cívico da Nação Brasileira, além de patrono oficial
de algumas instituições do Estado.
Prefiro
associar o nome de Tiradentes à agradável cidade mineira e à sua vizinha Coronel Xavier Chaves que já fez parte da primeira, embora eu não saiba se foi criada numa daquelas iniciativas que citei antes. Mas, o tal “coronel” foi um descendente do Joaquim José da Silva Xavier o alferes
que dançou na frustrada conspiração. É lá que se produz a cachaça Século XVIII
que também é vendida com o rótulo de Santo Grau - Cel. Xavier Chaves. Uma pinga
deliciosa destilada naquele que é tido como o mais antigo alambique do Brasil
ainda em funcionamento. Não fosse o coronavírus, viajar para bebericar uma
Século VIII “in loco” seria uma boa alternativa
para um feriado de terça-feira com a segunda-feira “enforcada”.
Já o aniversário
de Brasília, como não poderia deixar de ser, reflete a representação que a
cidade tem para o país. Brasília é
história viva e a sua criação resulta de uma escolha política que, para
o bem ou para o mal, ainda hoje suscita discussões.. Quis o acaso que a capital
completasse os seus sessenta anos justamente na época em que os cidadãos dessa
faixa etária estão numa berlinda discriminatória e classificados como grupo de risco na pandemia.
Tudo bem que
sessenta anos é infância na escala de tempo da vida das cidades, mas na escala
de tempo da vida humana Brasília assume agora a sua condição de idosa. Mais um
atributo para a cidade que já tem uma imagem caricata por abrigar a
representação dos poderes políticos com todas as suas deformações.
O fato é que
a cidade está aí (ou lá), com suas virtudes e imperfeições. Abriga uma geração já amadurecida
de descendentes dos candangos, e merece cumprimentos e agradecimentos
solidários da sociedade brasileira. Afinal, sessentona, hospeda involuntariamente o
SARS – CoV-2 responsável pela COVID-19, mas também involuntariamente hospeda um
vírus boquirroto e infeccioso que contamina e abate o corpo social desse já combalido
país.
Não
deixarei de olhar a natureza e admirar a beleza desse dia de feriado, mas minhas
celebrações ficarão por conta do aniversário de uma amiguinha querida, “meio isolada”
a algumas quadras daqui, e para quem eu envio beijos e parabéns!
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Que texto delicioso! Nossa amiguinha (Carol?,né?) deve ter ficado feliz com tal lembrança-homenagem! Bjs. Obrigada.
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