Opinião
O impacto
negativo da crise do coronavírus na estrutura social do país já está
ocorrendo. Projeta-se a sua versão para o período pós-isolamento, mas seus
efeitos já estão sendo experimentados. Não será necessário esperar para percebê-los
ou senti-los.
Assim, não
temos que esperar o agravamento, nem o clímax, nem o refluxo pandêmico para
encaminhar, propor, apregoar e lutar por providências que assegurem melhores condições
de vida para a população, especificamente na área socioeconômica. E o que
desejamos é, na mais modesta das hipóteses, maior distribuição da riqueza que, nunca
é demais repetir, é construída exclusivamente pelos trabalhadores e apropriada por
parasitas no sistema de produção.
Infelizmente,
para um enorme número de pessoas esse discurso soa como um
“blá, blá, blá político”, no sentido pejorativo do termo. Parece uma conversa
já vista e vazia, e o próprio termo “discurso” é assimilado como algo sem valor
e inconsequente. Essa maioria não é engajada e, pior do que isso, é alienada das disputas por modelos sociais,
embora sofra todas as consequências desses embates.
Por outro
lado, há um grupo de sujeitos e de organizações que não pensa assim. Não são
alienados e conhecem perfeitamente a estrutura e os seus papeis na organização
social. Sabem que o não engajamento da maioria lhes é favorável, e tratam com
abnegação os seus interesses que conflitam com os da maioria que “detesta a
política”.
Esse grupo
reduzidíssimo está organizado em grandes corporações privadas e está correndo
atrás das eventuais reduções de seus ganhos. Alguns, na verdade, até estão tratando de como ganhar
mais, e todos estão buscando garantir as melhores posições para os embates que
ocorrerão nos períodos pós-coronavírus.
Hoje há
manchetes nos jornais anunciando que “doações
de empresas chegam a 2,2 bilhões”. Fazem parecer que a ordem capitalista
mudou. Como se alguns empresários e corporações estivessem colocando a mão no
bolso e repartindo suas riquezas, revertendo o fluxo natural do sistema. Assim,
são anunciadas como “doações” operações financeiras que, antes de tudo, visam o
posicionamento estratégico de capitais buscando o melhor aproveitamento dos
mesmos, com garantias de seu controle, redução de riscos, reduções de impostos
e o escambau.
Nós também
precisamos cuidar dos nossos interesses, e a hora de começar já passou, já
estamos correndo atrás do prejuízo. E um dos nossos interesses principais deve
ser fazer com que essa repartição ocorra
efetivamente, e há formas de fazer isso.
Na cidade
de São Gonçalo (RJ) está em montagem um hospital de campanha com aporte de grana do
próprio município, do Estado e dos municípios de Niterói e Maricá. O hospital está
sendo montado num campo de futebol de um clube da cidade, um espaço privado, e o uso desse espaço é uma intervenção da
prefeitura que tem o título “requisição
administrativa”. Esse uso está apoiado em uma sequência instrumentos
oficiais, mas decorre originalmente de um poder instituído pelo inciso XXV do
artigo 5° da Constituição, que estabelece: “no caso de iminente perigo
público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular,
assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
Para fins
diversos, assim como em São Gonçalo, existem casos de requisições
administrativas em outras cidades do país e, consequentemente, articulam-se
defesas da propriedade privada contra esse poder público, mas aqui o foco não é
debater a legislação. Trata-se, principalmente, de colocar em pauta a
possibilidade de usos de tais instrumentos para o interesse público.
Pequenos
produtores de cachaças de alambiques, contribuindo para o combate ao
coronavírus, têm tomado a iniciativa de
doarem – efetivamente – para a produção de álcool 70 graus, as parcelas das
destilações que não são utilizadas na elaboração da bebida (cabeça) e que são ricas em concentração
de etanol. Mas, são iniciativas tímidas. É preciso que as autoridades, em nome
do iminente perigo público, atuem diretamente sobre meia dúzia de grandes
produtores de cachaças, que produzem mais de 800 milhões de litros anuais, para
que se organizem para suprir essa necessidade pública.
Da mesma
forma, a FIESP, FIERJ, FIEMG e as FIE** que existirem devem se movimentar, elas
próprias, junto aos seus filiados, para produzirem máscaras e aparelhos de ventilação mecânica para as
necessidades da crise e sem ônus para a sociedade – em nome do iminente perigo público.
Não há que
viabilizar financiamentos para esses enormes conglomerados realizarem essas
ações. Seus lucros já são absurdos e
continuarão a ser após a crise. Há muita riqueza acumulada e que pode ser distribuída
– efetivamente e agora - no atendimento das necessidades públicas.
Esses grupos têm recursos, conhecimento e capacitação para atender a essas necessidades públicas emergenciais. Sem cobranças disfarçadas de doações, subsídios etc. Não estarão fazendo favor nenhum, e esse imperativo da sociedade ainda assim, estará longe, muito longe, a anos luz de qualquer coisa que possa ser chamada de socialismo ou comunismo.
Esses grupos têm recursos, conhecimento e capacitação para atender a essas necessidades públicas emergenciais. Sem cobranças disfarçadas de doações, subsídios etc. Não estarão fazendo favor nenhum, e esse imperativo da sociedade ainda assim, estará longe, muito longe, a anos luz de qualquer coisa que possa ser chamada de socialismo ou comunismo.
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NOTAS
[1]
São Gonçalo começa
construção de hospital de campanha – Recuperado em 14/04/2020 de <https://alcantaratemdetudo.com.br/sao-goncalo-comeca-construcao-de-hospital-de-campanha/>
[2]
A requisição administrativa em tempos de Covid-19 – Recuperado em 14/04/2020 de <https://www.migalhas.com.br/depeso/323162/a-requisicao-administrativa-em-tempos-de-covid-19>
[3]
Produtores de cachaça na Paraíba doam 'álcool 70' para hospitais em
combate ao coronavírus - Recuperado em 14/04/2020 de <https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2020/03/19/produtores-de-cachaca-na-paraiba-doam-alcool-70-para-hospitais-em-combate-ao-coronavirus.ghtml>
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