sábado, 4 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (16)


Opinião


Hoje o dia está especialmente lindo no Rio de Janeiro. Não chega a ser uma novidade nessa cidade privilegiada pela natureza, mas provavelmente outros dias assim virão na sequência. Inicia-se o outono, a meu juízo  a época onde ocorrem os dias mais bonitos em nossa região. Certamente quem representa a cara do Rio de Janeiro é o verão, mas os dias mais bonitos, não abro mão da minha preferência, ocorrem no outono. Eles são ensolarados e claros como no verão, mas as temperaturas são amenas e não agressivas. A natureza pode ser apreciada sem a necessidade de correr em busca de um abrigo na sombra. Mesmo caminhando por obrigação de trabalho, no clímax das temperaturas, ainda assim é possível desfrutar a visão da beleza dos dias do outono.

Da minha janela tem-se a impressão que a natureza está sacaneando a todos nós. Sedutora e provocante, mas protegida por nossas proibições de isolamento, ela convida-nos ao pecado. Sair às ruas, integrá-la, penetrá-la, fazer parte dela. Quase me entrego ao seu chamado. Acho que essa porra dessa natureza votou no Bozo!

Ao mesmo tempo, temos a oportunidade de aprendizados. Aliás, essa é a principal característica das crises, depois do fato gerador, naturalmente. A oportunidade de aprender. Estamos recebendo lições políticas duras, mas importantíssimas. O coronavírus desnudou as teses capitalistas, liberais e neoliberais. Os fatos têm mostrado que a doutrina dessas teses, carro chefe desse governo adorador de torturadores, é uma furada para os brasileiros. Para os que o rejeitam e também para os que o apoiam. A crise está aí, ensinando-nos que essa doutrina atende apenas a uma elite socioeconômica aproveitadora e lambedora de cú das corporações privadas internacionais. Essa mesma elite que convoca os trabalhadores a irem para as ruas e morrerem por elas.

As aulas da natureza, por sua vez - e por enquanto - são mais agradáveis. A web está cheia de imagens de paraísos naturais, de praias e recantos diversos, vazios da presença humana e que assim podem ser mostrados na plenitude suas belezas. Essas imagens são verdadeiras aulas da natureza que nos ensina, que apela proteção e nos alerta dizendo:

“Aproveitem-me! Não sejam babacas! Não estou aqui para ser estuprada, ferida e morta. Estou aqui para ser apreciada e para dar gozo e prazer para vocês e suas gerações. Sou bela, mas minha beleza só faz sentido e se completa com a presença humana. Sem essa presença isso aqui será apenas mais um planeta entre os incontáveis do universo!”

Em artigo recente,  o jornalista angolano Jose Eduardo Agualusa escreveu que seria um fracasso reconhecer que o planeta ficaria mais bonito se o homem desaparecesse por completo da sua superfície. Eu concordo, e nosso grande aprendizado deveria ser como não fracassar.

Na visão do filósofo Michel Serres, como todas as  os demais espécies ocupantes do planeta, sujamos o espaço que ocupamos determinando o nosso território. Não somos diferentes, diz ele.

Gosto muito da visão desse velhinho francês que admiro tanto. Acho que o nosso grande aprendizado será reconhecer isso e alcançar uma compreensão de valor superior – o da ocupação compartilhada, eventual, não proprietária e comprometida com a preservação. Assim como compartilhamos um banheiro ou um quarto. Conscientes e responsáveis por sua arrumação, limpeza e manutenção. Outros também usarão, outras espécies e outras gerações.

Até porque, não nos enganemos, a professora natureza entre os seus atributos também é rigorosa e não passa a mão na cabeça de ninguém.

Aprendam!” diz ela. “E não se enganem, antes que me destruam eu fuderei com as vidas de vocês e com a sua espécie. Outras se servirão de mim!”.

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NOTAS

Artigo do jornalista José Eduardo Agualusa – “Os paradoxos do fim do mundo”. Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/os-paradoxos-do-fim-do-mundo-1-24320212> - Acesso em 04/04/2020.

Livro filósofo Michel Serres – “O Mal limpo – Poluir para se apropriar?” – Ed. Bertrand Brasil – RJ – 2011

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