Opinião
Hoje o dia está especialmente lindo
no Rio de Janeiro. Não chega a ser uma novidade nessa cidade privilegiada pela
natureza, mas provavelmente outros dias assim virão na sequência. Inicia-se o
outono, a meu juízo a época onde ocorrem
os dias mais bonitos em nossa região. Certamente quem representa a cara do Rio
de Janeiro é o verão, mas os dias mais bonitos, não abro mão da minha
preferência, ocorrem no outono. Eles são ensolarados e claros como no verão,
mas as temperaturas são amenas e não agressivas. A natureza pode ser apreciada
sem a necessidade de correr em busca de um abrigo na sombra. Mesmo caminhando por obrigação
de trabalho, no clímax das temperaturas, ainda assim é possível desfrutar a
visão da beleza dos dias do outono.
Da minha janela tem-se a impressão
que a natureza está sacaneando a todos nós. Sedutora e provocante, mas
protegida por nossas proibições de isolamento, ela convida-nos ao pecado. Sair
às ruas, integrá-la, penetrá-la, fazer parte dela. Quase me entrego ao seu chamado. Acho que essa porra dessa
natureza votou no Bozo!
Ao mesmo tempo, temos a oportunidade
de aprendizados. Aliás, essa é a principal característica das crises, depois do
fato gerador, naturalmente. A oportunidade de aprender. Estamos recebendo
lições políticas duras, mas importantíssimas. O coronavírus desnudou as teses
capitalistas, liberais e neoliberais. Os fatos têm mostrado que a doutrina
dessas teses, carro chefe desse governo adorador de torturadores, é uma furada
para os brasileiros. Para os que o rejeitam e também para os que o apoiam. A
crise está aí, ensinando-nos que essa doutrina atende apenas a uma elite
socioeconômica aproveitadora e lambedora de cú das corporações privadas
internacionais. Essa mesma elite que convoca os trabalhadores a irem para as
ruas e morrerem por elas.
As aulas da natureza, por sua vez - e
por enquanto - são mais agradáveis. A web está cheia de imagens de paraísos
naturais, de praias e recantos diversos, vazios da presença humana e que assim
podem ser mostrados na plenitude suas belezas. Essas imagens são verdadeiras
aulas da natureza que nos ensina, que apela proteção e nos alerta dizendo:
“Aproveitem-me! Não sejam babacas!
Não estou aqui para ser estuprada, ferida e morta. Estou aqui para ser apreciada
e para dar gozo e prazer para vocês e suas gerações. Sou bela, mas minha beleza
só faz sentido e se completa com a presença humana. Sem essa presença isso aqui
será apenas mais um planeta entre os incontáveis do universo!”
Em artigo recente, o jornalista angolano Jose Eduardo Agualusa escreveu
que seria um fracasso reconhecer que o planeta ficaria mais bonito se o homem
desaparecesse por completo da sua superfície. Eu concordo, e nosso grande
aprendizado deveria ser como não fracassar.
Na visão do filósofo Michel Serres,
como todas as os demais espécies
ocupantes do planeta, sujamos o espaço que ocupamos determinando o nosso
território. Não somos diferentes, diz ele.
Gosto muito da visão desse
velhinho francês que admiro tanto. Acho que o nosso grande aprendizado será
reconhecer isso e alcançar uma compreensão de valor superior – o da ocupação
compartilhada, eventual, não proprietária e comprometida com a preservação.
Assim como compartilhamos um banheiro ou um quarto. Conscientes e responsáveis
por sua arrumação, limpeza e manutenção. Outros também usarão, outras espécies
e outras gerações.
Até porque, não nos enganemos, a
professora natureza entre os seus atributos também é rigorosa e não passa a mão
na cabeça de ninguém.
”Aprendam!” diz ela. “E não
se enganem, antes que me destruam eu fuderei com as vidas de vocês e com a sua
espécie. Outras se servirão de mim!”.
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NOTAS
Artigo do jornalista José Eduardo Agualusa – “Os paradoxos do
fim do mundo”. Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/os-paradoxos-do-fim-do-mundo-1-24320212>
- Acesso em 04/04/2020.
Livro filósofo Michel Serres – “O Mal limpo – Poluir para se
apropriar?” – Ed. Bertrand Brasil – RJ – 2011
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