Opinião
Recebi cópia de uma foto tirada durante carreata que ocorreu, ontem, domingo, no Rio de Janeiro. O autor da foto, um fotógrafo da Reuters, destaca o fato de um policial estar apontando uma arma em direção a casas da favela do Vidigal que jogavam ovos e
objetos em carros que participavam de carreata pró-Bozo e a favor da
reabertura do comércio durante a pandemia do Covid-19.
O fotógrafo também destaca que ampliando-se a foto é possível ver que o policial não está com o dedo no gatilho e que nenhum tiro foi disparado enquanto ele esteve lá.
O fotógrafo também destaca que ampliando-se a foto é possível ver que o policial não está com o dedo no gatilho e que nenhum tiro foi disparado enquanto ele esteve lá.
A imagem
está reproduzida abaixo e naturalmente cabem todas as observações e ressalvas. Uma imagem estática, sem
registro detalhado de contexto , a própria imagem bem poderia ser o resultado de uma
edição etc..
Porém, quem
não é quadrado nem redondo não se surpreenderá em ver uma imagem capturada
durante uma carreata de bozominions no Vidigal (bairro do Rio de Janeiro) com
um policial fardado e de arma em punho que claramente não está em função de
proteção dos manifestantes ou de ordenamento do tráfego. Até porque cenas
similares repetiram-se em outros pontos do país e registram o avanço das
manifestações fascistas.
Conversando
sobre o assunto em videoconferência, ontem,
um amigo lembrou da poesia “No Caminho com Maiakovski”. Um poema do niteroiense,
Eduardo Alves da Costa, que viralizou como se fosse da autoria do poeta russo.
O poeta niteroiense teve
a sensibilidade de expressar em seus versos:
“... Na primeira noite
eles se aproximam e roubam uma flor do
nosso jardim. E não dizemos nada. ... Até que um dia, o mais frágil deles entra
sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a
voz da garganta. E já não podemos dizer nada.”
Classifiquem como quiserem. Alarmismo, romantismo babaca, esquerdismo, imaginação
pueril ou uma combinação qualquer dessas expressões que desqualifique minha avaliação, mas o fato
é que essas mobilizações fascistas fazem a imaginação viajar para o que terá
sido a realidade de Maiakovski e resgatada pelo poeta niteroiense.
Vivemos uma situação social tensa. As condições socioeconômicas
agravadas pela pandemia coronavírus estão uma merda total e a expectativa é de
que fiquem piores, embora possam estar distantes da realidade de muitos de nós
que, felizmente, ainda desfrutamos de situações privilegiadas. O caos social,
isso é, uma agitação popular sem direção política é tudo que interessa a esse
bando fascista, e eles sabem disso.
Em criança, minha mãe, como outras, aporrinhava-nos para comer isso ou
aquilo, enfrentando nossas objeções infantis e arrogantes que cobravam a alimentação de nossa preferência. A velha tentava resolver a situação da melhor
forma. Suas imposições até decorriam da
preocupação com o necessário equilíbrio nutricional, mas na prática eram
determinadas principalmente pela realidade
e pela disponibilidade das opções. Meu pai, mais calmo, e sem lançar mão
de seus atributos físicos, aconselhava
com tranquilidade: “Ninguém passa fome tendo
a comida perto. Pode deixar a comida aí”. Nunca esqueci essas observações.
Lembrei dessa passagem porque, dia desses, um líder comunitário,
entrevistado sobre a conjuntura e as perspectivas das comunidades mais pobres,
observou com a tranquilidade que foi, ao
meu juízo, também uma advertência: “ninguém vai morrer de sede ao lado de um
poço, só porque o poço tem dono” .
Esse recado, claríssimo, dá a medida das circunstâncias que vivemos e
dos conflitos e contradições que precisamos tratar. Por um lado, uma rebeldia mais
do que justificada, embora sem direção política determinada e, de outro, uma
corja fascista oportunista que conta com o caos que pode resultar dessa
rebeldia. Receita explosiva.
Um grande problema é que essa questão crucial divide a
esquerda, e sem resolve-la não saberemos para onde caminhar hora do “sapeca-iaiá” recorrendo agora à
expressão poética do Bezerra da Silva.
Há os que insistem em consertar o sistema como se ele estivesse com algum defeito, e há os que entendem que o sistema não está com defeito – ele é assim, precisa ser trocado, substituído. Incluo-me entre esses últimos.
A onda fascista avança. As manifestações do ex-capitão boquirroto ,
ontem, em Brasília, estão na primeira página de todos os jornais. Os caras
mandaram até a democracia liberal pra casa do cacete e gritaram por ditadura.
Enquanto isso, o maior partido de
oposição, numa deliberação equivocada, recusa-se a assumir a palavra de ordem “fora
Bozo”. Em vídeo, o pronunciamento da sua liderança mais parece com os de uma autoridade da área da
saúde do que o de uma líder política. Aposta claramente no caminho de uma disputa eleitoral, na possibilidade de uma posição segura e
privilegiada no status quo.
É hora de apontar direções políticas claras e alternativas às propostas fascistas que já ocupam ruas sem quaisquer constrangimentos, provocando e contando com o caos social. As carreatas avançam. É uma pena.
É hora de apontar direções políticas claras e alternativas às propostas fascistas que já ocupam ruas sem quaisquer constrangimentos, provocando e contando com o caos social. As carreatas avançam. É uma pena.
Imagem de fotógrafo da Reuters - capturada em 19/04/2020 de <https://www.instagram.com/p/B_Kvh38pn4Q/?utm_source=ig_web_copy_link> |
Pronunciamento da liderança do PT - resgatado em 20/04/2020 de <https://youtu.be/_RHj1XfO_iM>
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