Opinião
Recebi um
zap com uma relação de possíveis Judas, e eu deveria responder qual deles
malharia hoje. Era uma relação de personalidades políticas que deveriam ir,
todas, para um poste. Mas não me senti contemplado porque na relação não tinha
“o
eleitor do Bozo”, meu Judas preferido no sábado de Aleluia dessa semana
santa.
Sempre tive
implicância com a semana santa. Minha criação foi, ao mesmo tempo, católica e umbandista, e as datas religiosas
eram sincretizadas e celebradas com missas, ladainhas e também com sessões espíritas de umbanda (macumba). Mas, não lembro de celebrações espíritas no período da
semana santa. Pesquisarei.
As
minhas semanas santas sempre foram
marcadas pelos rituais católicos que eram mórbidos. Bem menino, em nossas casas
cobria-se os espelhos na semana santa, uma prática que, felizmente, logo entrou
em desuso. No bairro onde eu morava, em São Gonçalo (RJ), bem próximo à
igreja Matriz, realizavam-se procissões com umas imagens enormes
representativas do martírio do Cristo na semana santa. Uma delas, que desfilava
nas sextas-feiras santas, era um enorme Jesus morto, um terror.
Lembro-me
bem que, praticando o catecismo escolar, nos dias de confissões aguardávamos a
vez de entrar no confessionário na mesma sala da igreja onde guardavam as tais
imagens das procissões. Elas ficavam embaixo dos altares, geralmente com algumas partes visíveis. No início a molecada brincava, mas os últimos na fila da
confissão iam ficando sozinhos naquela sala,
sabendo que embaixo do altar tinha uma porra de um Cristo enorme e morto.
Era apavorante.
Não me
lembro de ter aparecido qualquer filho da puta de orientador religioso para
contextualizar as histórias e atenuar nossas aflições. Hoje, ao saber sobre os
inúmeros casos de pedófilos nas igrejas católicas, acho até que foi sorte
nossa. Mas, tudo se apoiava em nosso medo. O último da fila de confissão ficava
tão encagaçado que confessava qualquer merda para ir embora dali o mais rápido possível.
Saindo da
infância, a semana santa passou a ser o grande feriado, com a brincadeira da malhação
do Judas no sábado de Aleluia. Até fazíamos a brincadeira, mas nosso bairro era
uma tribo bem fechada e ninguém arriscava exibir as mazelas dos vizinhos colocando
cartazes no Judas. Não que as fofocas não existissem, mas era quase impossível
divulgá-las na oportunidade do Judas assegurando o anonimato. Também não havia críticas políticas. A
malhação era considerada brincadeira de crianças e os que poderiam
fazer as críticas não participavam. O resultado é que a malhação do Judas nunca
teve muita graça para mim.
Passada a
adolescência, eu cumpria os rituais religiosos familiares sem qualquer
comprometimento, os católicos e os da macumba, achando esses últimos mais
atrativos. Só mais tarde tentei me identificar religiosamente e com clareza. Os
marcos foram muitos, mas a ópera rock Jesus Cristo Superstar, que assisti com
mais de vinte anos, foi relevante. O texto sintético e forte das letras, as melodias lindas, a
trama sobre as crises existenciais de Judas e Jesus e a identificação dos
interesses políticos mexeram comigo.
Acho que foi quando formei a noção que qualquer
mito religioso pode ser analisado, compreendido, admirado e assimilado sem que haja
necessidade de sua sacralização. Uma revelação e alívio! Foi quando o meu ateísmo, até então encabulado
e ainda inibido por uma culpa cristã,
saiu do armário. Bem mais tarde, já em fase adulta, eu me
reencontraria com esse tema e me espermatozaria com a leitura de Jose Saramago em seu maravilhoso O Evangelho Segundo Jesus Cristo.
Guardo lembranças de Jesus Cristo Superstar. Tenho um LP em vinil, a
fita em VHS e com o advento do Youtube várias vezes assisti trechos do filme.
Recebi a dica de um amigo querido que nesses tempos de coronavírus o compositor e
produtor musical da ópera, Andrew Lloyd Weber, tornaria disponível grátis, por
48 horas a partir da sexta-feira santa, a apresentação de uma montagem
supermoderna, onde estão mantidas as
letras e as canções originais. Conferi. Está tudo lá.
Ainda acho intrigantes as cobranças de Judas ao Cristo por não ter
realizado a revolução a que eles se propunham, apesar dos tantos poderes desse
último, e os questionamentos a Deus por nunca ter compreendido porque ele, Judas, tinha sido
escolhido para praticar um crime que era do próprio Deus.
A montagem atual é uma das coisas mais belas desses últimos tempos. Mas, reafirmo, minha opinião é suspeita.
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Stream Jesus Christ Superstar for Free - This Friday at 7pm BST on The
Shows Must Go On YouTube channel – Recuperado em 11/04/2020 de<https://www.andrewlloydwebber.com/the-shows-must-go-on/>
Andrew Lloyd Weber é o compositor das canções e produtor dos respectivos
musicais a seguir: The Music of the Night do musical O Fantasma da Ópera, ou
Don’t Cry for me Argentina do musical Evita ou
Memory do musical Cats ou, ainda, I Don't Know How to Love Him do
musical Jesus Cristo Superstar.
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