domingo, 12 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (24)


Opinião


Conversando com um amigo por telefone, ele observou “ agora sim, entramos no século XXI ”. Logo fiz coro com ele. Poderíamos associar como significativo da mudança de século, quem sabe, o setembro de 2001 com a queda das torres gêmeas ou aquele tsunami no Japão ocorrido em 2011, mas em mim bateu forte: o que caracterizou o nosso salto de século foi esse tal de coronavírus.

Entramos no século XXI vinte anos após o seu início e com o pé esquerdo. Esse vírus irá jogar-nos nesse século como aquelas cenas hollywoodianas de gladiadores que são jogados nas arenas dos coliseus romanos esperando o que sairá dos tantos  buracos que os cercam.

Por ora ainda estamos nos porões, tratando nossas feridas e insalubridades. Aqui, isolados nos bastidores, enfrentamos o vírus. Alguns ele eliminará. Os sobreviventes ele empurrará para a arena e lá, dos malditos  buracos é que sairão os leões, tigres, carruagens ocupadas com guerreiros, enfim qualquer coisa com o potencial de detonar nossas vidas. Será lá, na arena do pós-isolamento que as lutas  efetivamente acontecerão, e acho que deveríamos falar sobre isso.

Não faço apologia do caos nem rendo tributos ao pessimismo, mas estamos vivendo uma situação que, independentemente de nossas vontades, empurra-nos para um estado de lassidão que retira a nossa energia e vontade de pensar o futuro. Então, acho importante tratar esse assunto desde já, inseri-lo em nossas conversas como forma de reação e de organização para os tempos que virão.

Não haverá uma chave ON – OFF que nos desligará do hoje conectando-nos imediatamente com o amanhã. Passada essa fase de isolamento, não despertaremos em um mundo novo, com as coisas no lugar, como se estivéssemos retornando às nossas casas ao fim de uma viagem. Pensar assim é um engano.

O ambiente pós-isolamento, ao que tudo indica, será difícil e confuso. Enfrentaremos o prolongamento da recessão econômica na qual já entramos. Enfrentaremos o desemprego. Mesmo pessoas que hoje ocupam cargos relativamente estáveis e bem remunerados serão dispensadas. Isso está ocorrendo em algumas cidades do exterior.

O conjunto de interesses representados por corporações econômicas privadas e um minúsculo grupo de biliardários aos quais nos referimos genericamente como “sistema capitalista” não interrompeu os seus mecanismos e avançará em seus objetivos, apertando cada vez mais os torniquetes de exploração dos trabalhadores.   

Muitas serão as pessoas que revisarão os seus conceitos na vida pessoal e na vida social (política), para o bem e para o mal. Haverá uma migração em ambos os sentidos. Muitos estarão perdidos procurando por um mundo que não existirá.

Os idosos, eu inclusive, estaremos mais expostos. O vírus estará por aí, possivelmente derrotado pelo processo de adaptação do ser humano e dos seus recursos científicos e tecnológicos, mas ainda caçando  presas entre os mais frágeis das manadas – os idosos. Abraçar um filho ou um neto será um risco para os idosos que estarão obrigados a se manterem distante sei lá em que condições e por quanto tempo mais.

É um cenário esquisito, mas bem possível. Alguns já perceberam as perspectivas futuras e, os que podem, ocupam o seu tempo reunindo riquezas acumuladas já pensando no porvir. Outros nem pensaram no assunto, acreditam e esperam a virada da chave liga-desliga.

Em casos de barbárie a regra é sempre cada um pra si, mas acho que o nosso rumo será outro, e no rumo que estaremos o individualismo e a solidariedade serão escolhas possíveis. A luta continuará, então precisamos conversar sobre ela.

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Um comentário :

  1. A luta continuará e nos encontrará cansados, inclusive emocionalmente cansados. Textos como este seu são gritos de "basta!" para nossos desânimos. Nos fortalecem. Precisamos nos cuidar bem, para a luta de agora e a que virá. Ler seus textos ajuda muito. Obrigada!

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