segunda-feira, 13 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (25)


Opinião


Estou bastante cismado. Hoje, segunda-feira, pela manhã, olhando da janela para as pistas do Aterro (RJ) tem-se a impressão que a cidade está voltando ao seu cotidiano. Sei que não passa de impressão, que essa não é essa a realidade, mas a impressão decorre da observação da quantidade de veículos e pessoas transitando. Um número muitíssimo abaixo do que costuma ser – daí eu saber que a normalidade é falsa, que não passa de uma impressão. Porém, um número muito maior do que deveria ser para uma cidade em estado de isolamento social.

Até a praia que tem estado deserta nos últimos dias, hoje está com uma quantidade observável  de pessoas, tem gente para lá e pra cá, em bicicletas na calçada e algumas na areia. Adultos sozinhos, não vejo crianças e famílias.

Pelas notícias que acompanhei, a quantidade de testes de contaminação que está sendo realizada no Brasil é um número irrisório se comparado com as referências internacionais. Isso não me surpreende considerando as características e o estado das coisas em nosso país. Mas, como os casos oficiais de infectados e de óbitos são apenas aqueles registrados por testes,  a consequência direta é que os números oficiais estão subestimados em relação à realidade. Esse fato também não é uma novidade para quem tem acesso à informação e acompanhado o noticiário. As próprias autoridades da saúde não escondem essa situação.

A questão que surge daí, a meu ver, é o quanto esses números oficiais estão distantes da realidade e o que representa desconsiderá-los sem, ao menos, divulgar as estimativas.

Hoje, por exemplo, há notícias (Estado de S. Paulo – 1ª. página)  que a quantidade de óbitos por insuficiência respiratória e pneumonia, em março 2020, no Brasil, foi de 2239 casos a mais do que no mesmo período do ano passado. Esses óbitos não foram classificados como coronavírus (Covid – 19) cuja quantidade oficial aponta 1223 casos até ontem. Sem intenção de banalizar a morte, trata-se de um número modesto no quadro da crise mundial. Ora, se as relações forem diretas (ressalvo que é uma especulação, mas bem razoável),  além dos 1223 casos oficiais haverá mais de 2000 casos não notificados.

Voltando à questão do que significa desconsiderar a realidade, se esses 2000 óbitos representam realmente uma subnotificação, desconsiderá-los é um crime, mesmo com ressalvas que se trata de estimativas. Um crime porque certamente esses rolézinhos de praia, de calçadas e de ruas seriam repensados se esses números estivessem nas primeiras páginas dos jornais em vez de estarem em matérias colaterais às manchetes.

É preciso cobrar essa divulgação sob pena de cumplicidade com esse crime. Eu não estou falando do fascista maior, nem dos seus seguidores. Desses não há o que esperar. Falo de cada um de nós que estamos aflitos e impactados por essa pandemia. Falo dos grandes meios de comunicação – que até tem sido elogiados por suas atividades nesses tempos de coronavírus. Esse mundo paralelo, se ele realmente tem existência,  precisa ser trazido para a frente das telas.

Mesmo reconhecendo que não temos testes em quantidades suficientes ou que não tenhamos  condições de realizá-los para assegurar com consistência a quantidade de contaminações e de óbitos, há recursos técnicos para a realização de inferências e estimativas. Isso é possível.

Afinal, está morrendo essa porrada de gente ou não?

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