sexta-feira, 10 de abril de 2020

A vida em tempos de coronavírus (22)


Opinião


Muitos trabalhadores, mesmo empregados, estão sendo colocados diante de escolhas difíceis. Eles sabem da necessidade de ficar em casa para a preservação de suas vidas, das vidas de  suas famílias  e, também, das vidas de outros. Contudo, ainda assim, arriscam-se e saem às ruas adotando decisões que até podem ser classificadas como individualistas, mas que decorrem de puro instinto de conservação e sobrevivência.

No outro lado da linha está o individualismo ideológico. Há o exemplo de um dos apoiadores diretos do ex-capitão boquirroto, um empresário que participou de um vídeo (ver mais abaixo) estimulando os trabalhadores a desrespeitarem o isolamento.

Para convencer os trabalhadores, o tal patrão finge solidariedade. Diz que  está preocupado com a economia do país e seus trabalhadores e que não está pensando em si próprio nem em  seu negócio. Que pode até fechar as lojas e fazer umas vinte e duas mil demissões que ainda terá dinheiro no bolso para ir para a praia. Outros patrões fazem coro com o filho da puta. Um deles diz que quinze mil mortes num universo de sete bilhões de pessoas até que é pouco.

Essas situações, embora se manifestem aqui dessa forma criminosa, não são um privilégio tupiniquim. O jornal New York Times de hoje publica matéria sobre adoecimentos e óbitos entre trabalhadores nas indústrias de processamento de alimentos nos EUA. Mesmo estando doentes, os trabalhadores tem sido convocados a comparecerem ao trabalho com o apelo que eles precisam ir trabalhar para alimentarem a America.

São esses canalhas, reis de minas e fornalhas, que querem o retorno da galera às ruas o mais rápido possível. Fodam-se os trabalhadores que se expuserem à contaminação, desde que garantam as suas riquezas. Os versos da Internacional sintetizam essa situação com uma clareza e sentido que parecem terem sido criados ontem, após os discursos do ex-capitão boquirroto e dos que patrocinaram sua subida ao poder. Contudo, eles apenas traduzem aquilo que é intrínseco ao capitalismo: as classes e os interesses de cada uma que são distintos e conflitantes.

A luta de classes não é uma invenção socialista ou comunista. Trata-se de uma realidade da sociedade contemporânea que,  ao se organizar para produzir e reproduzir sua vida material, o faz de uma maneira na qual grupos reduzidíssimos de seres humanos vivem à custa da exploração do trabalho da maioria da humanidade. Nessa forma de organização, chamada de capitalismo, os interesses dos grupos ou classes de explorados e os interesses dos exploradores são conflitantes, daí a luta de classes.

Porém, o capitalismo não se caracteriza exclusivamente por esse aspecto, embora ele seja o fundamental, e é importante atentar para isso porque diz direto ao que está ocorrendo, nesse momento, à nossa volta.

O capitalismo também incorpora aspectos que tanto viabilizam as condições para a sua continuidade, como para sabotar as possibilidades de  organização das classes que lhe são antagônicas – os explorados. Para tanto, o seu aparato vai além da estrutura econômica do modo de produção e inclui, também,  estruturas jurídico­política e ideológica. Consequentemente, os conflitos ou luta de classes se manifestam em todas essas estruturas  permanentemente, inclusive durante a crise do coronavírus.
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Nesse momento, o vírus está fudendo por completo  com importantes estruturas econômicas capitalistas, embora isso não queira dizer que esteja fudendo o capitalismo. As corporações que representam os exploradores sabem disso e atuam para manter seus domínios sem interrupções dos processos de exploração porque esse  movimento permanente é a base para a continuidade do capitalismo.

Por sua vez, as organizações e pensadores da esquerda política não têm expectativa que o capitalismo será comido pelo vírus. Contudo, buscam avaliar quais serão os abalos, as transformações e como estarão as estruturas de poder no  cenário pós-coronavírus porque será nesse novo cenário que os conflitos ou a luta de classes prosseguirá.

Há visões otimistas e pessimistas. A meu juízo, um sujeito que sintetiza muito bem as questões (não as respostas), embora não seja uma referência política para mim,  é o  historiador israelense Yuval Noah Harari, um autor que tem estado de bola cheia pelo sucesso de recentes best-sellers de sua autoria.

Segundo o Harari, no período pós-coronavírus, entre as questões de importância a serem tratadas, a primeira será o dilema será entre a vigilância totalitária e o empoderamento dos cidadãos e o segundo desafio será entre o isolamento nacionalista e a solidariedade global.

Detalhes sobre essas questões exigem reflexões e estudos que consomem tempo e dedicação. No meu caso, até gosto de estudar, mas sem qualquer constrangimento abro mão e sinto-me perfeitamente contemplado com a síntese da Internacional  já expressa nesse hino dos trabalhadores desde o século 19:

O povo quer só o que é seu. A terra pertence aos que produzem. Os parasitas devem deixar esse mundo!

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NOTAS

Vídeo produzido por PSTU e CSP Conlutas – Copiado em 26/03/2020 - Disponível em <https://drive.google.com/open?id=1KH2e53Mr0khXiCDxcx-jvKiWEXOLKo9a>

Letra da Internacional – Recuperado em 10/04/2020 de <https://www.marxists.org/portugues/tematica/musica/international.htm>

“Como será o mundo depois do coronavírus, segundo Yuval Noah Harari” – Recuperado em 10/04/2020 de <http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597364-como-sera-o-mundo-depois-do-coronavirus-segundo-yuval-noah-harari>

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