Opinião
Muitos trabalhadores, mesmo
empregados, estão sendo colocados diante de escolhas difíceis. Eles sabem da
necessidade de ficar em casa para a preservação de suas vidas, das vidas
de suas famílias e, também, das vidas de outros. Contudo,
ainda assim, arriscam-se e saem às ruas adotando decisões que até podem ser
classificadas como individualistas, mas que decorrem de puro instinto de
conservação e sobrevivência.
No outro lado da linha está o
individualismo ideológico. Há o exemplo de um dos apoiadores diretos do
ex-capitão boquirroto, um empresário que participou de um vídeo (ver mais
abaixo) estimulando os trabalhadores a desrespeitarem o isolamento.
Para convencer os trabalhadores, o tal
patrão finge solidariedade. Diz que está
preocupado com a economia do país e seus trabalhadores e que não está pensando
em si próprio nem em seu negócio. Que
pode até fechar as lojas e fazer umas vinte e duas mil demissões que ainda terá
dinheiro no bolso para ir para a praia. Outros patrões fazem coro com o filho
da puta. Um deles diz que quinze mil mortes num universo de sete bilhões de
pessoas até que é pouco.
Essas situações, embora se manifestem
aqui dessa forma criminosa, não são um privilégio tupiniquim. O jornal New York
Times de hoje publica matéria sobre adoecimentos e óbitos entre trabalhadores
nas indústrias de processamento de alimentos nos EUA. Mesmo estando doentes, os
trabalhadores tem sido convocados a comparecerem ao trabalho com o apelo que eles
precisam ir trabalhar para alimentarem a America.
São esses canalhas, reis de minas e
fornalhas, que querem o retorno da galera às ruas o mais rápido possível.
Fodam-se os trabalhadores que se expuserem à contaminação, desde que garantam
as suas riquezas. Os versos da Internacional sintetizam essa situação com uma clareza e
sentido que parecem terem sido criados ontem, após os discursos do ex-capitão
boquirroto e dos que patrocinaram sua subida ao poder. Contudo, eles apenas
traduzem aquilo que é intrínseco ao capitalismo: as classes e os interesses de
cada uma que são distintos e conflitantes.
A luta de classes não é uma invenção socialista
ou comunista. Trata-se de uma realidade da sociedade contemporânea que, ao se organizar para produzir e reproduzir sua vida material,
o faz de uma maneira na qual grupos reduzidíssimos
de seres humanos vivem à custa da exploração do trabalho da maioria da
humanidade. Nessa forma de organização, chamada de capitalismo, os
interesses dos grupos ou classes de explorados e os interesses dos exploradores
são conflitantes, daí a luta de classes.
Porém, o capitalismo não se caracteriza
exclusivamente por esse aspecto, embora ele seja o fundamental, e é importante atentar
para isso porque diz direto ao que está ocorrendo, nesse momento, à nossa
volta.
O capitalismo também incorpora
aspectos que tanto viabilizam as condições para a sua continuidade, como para sabotar
as possibilidades de organização das classes que lhe são antagônicas
– os explorados. Para tanto, o seu aparato vai além da estrutura econômica do
modo de produção e inclui, também, estruturas
jurídicopolítica e ideológica. Consequentemente, os conflitos ou luta de
classes se manifestam em todas essas estruturas permanentemente, inclusive durante a crise do
coronavírus.
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Nesse momento, o vírus está fudendo
por completo com importantes estruturas econômicas
capitalistas, embora
isso não queira dizer que esteja fudendo o capitalismo. As corporações que
representam os exploradores sabem disso e atuam para manter seus domínios sem
interrupções dos processos de exploração porque esse movimento permanente é a base para a
continuidade do capitalismo.
Por sua vez, as organizações e pensadores da esquerda
política não têm expectativa que o capitalismo será comido pelo vírus. Contudo,
buscam avaliar quais serão os abalos, as transformações e como estarão as
estruturas de poder no cenário pós-coronavírus
porque será nesse novo cenário que os conflitos ou a luta de classes
prosseguirá.
Há visões otimistas e pessimistas. A
meu juízo, um sujeito que sintetiza muito bem as questões (não as respostas),
embora não seja uma referência política para mim, é o historiador
israelense Yuval Noah Harari, um autor que tem estado de bola cheia pelo sucesso
de recentes best-sellers de sua autoria.
Segundo o Harari, no período
pós-coronavírus, entre as questões de importância a serem tratadas, a primeira
será o dilema será entre a vigilância totalitária e o empoderamento dos cidadãos e
o segundo desafio será entre o isolamento nacionalista e a
solidariedade global.
Detalhes sobre essas questões exigem
reflexões e estudos que consomem tempo e dedicação. No meu caso, até gosto de
estudar, mas sem qualquer constrangimento abro mão e sinto-me perfeitamente contemplado
com a síntese da Internacional já expressa nesse hino dos trabalhadores desde o século 19:
O povo quer só o que é seu. A terra
pertence aos que produzem. Os parasitas devem deixar esse mundo!
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NOTAS
Vídeo produzido por PSTU e CSP Conlutas – Copiado em 26/03/2020 - Disponível em <https://drive.google.com/open?id=1KH2e53Mr0khXiCDxcx-jvKiWEXOLKo9a>
Letra da Internacional –
Recuperado em 10/04/2020 de <https://www.marxists.org/portugues/tematica/musica/international.htm>
“Como será o mundo
depois do coronavírus, segundo Yuval Noah Harari” – Recuperado em 10/04/2020 de
<http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597364-como-sera-o-mundo-depois-do-coronavirus-segundo-yuval-noah-harari>
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