terça-feira, 31 de março de 2020

A vida em tempos de coronavírus (12)


Opinião


Estou entre os emocionalmente abalados com essa crise do coronavirus. Mas, não desesperado. Qualquer sentimento de autocomiseração é logo afastado quando levanto o olhar do umbigo e me dou conta dos tantos que não têm o mínimo de suporte e condições para atravessar essa crise. Ainda assim, vendo os prognósticos de alguns especialistas sobre as possíveis decorrências dessa situação, mesmo as otimistas, isento de alarmismos e de supervalorização do caos, sinto-me triste.

Minhas angústias não passam pelo risco, no meu caso relativamente grande devido à idade, de uma eventual contaminação. Pretendo ainda viver mais um tanto, mas me considero no lucro em termos de longevidade. Uma premissa que me permite encarar e tratar o risco com naturalidade, sem negar o cagaço nem a insegurança.

Contudo, penso nas outras gerações e, sem falso altruísmo, penso nos mais próximos. Meus netinhos  também estão vivenciando o afastamento social. Protegidos na medida do possível, mas sem fazer ideia do que está ocorrendo, em que pese as proteções que privilegiadamente eles podem desfrutar, não compreendem porque, de uma hora para outra, foram levados a um confinamento domiciliar e apartados do mundo que para eles não tinha limites.

Alguns especialistas alertam que não voltaremos à sociedade que deixamos antes do isolamento. Compreendo essa avaliação, mas  não penso nela como inusitada. Afinal, “ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio” – reflexão heraclitiana acertada e elaborada desde 500 A.C. Tudo flui, e assim como a sociedade pós-isolamento será outra, os meus pequeninos também já não serão os mesmos pequeninos. Mas, o vovô aqui gostaria que essa nova sociedade não fosse determinantemente distópica. Mas, uma sociedade com um mínimo de oportunidades para que eles possam projetar os seus sonhos e viverem os seus momentos de felicidade enquanto tentam construir o melhor para suas vidas.

No mais, sigo puto da vida, submetendo-me ao necessário afastamento provocado por esse sacana desse bichinho que não mede mais do que 0,0000001 metros. Controlo minhas vontades, meus desejos. Abraçar, beijar, cafungar e cheirar meus netinhos. Sempre fiz esse exercício de tentar deixá-los impregnados com a lembrança do meu cheiro (bom ou mau). Uma lembrança inconsciente porque aquelas conscientes serão naturalmente esquecidas com tempo.

Será pensando naqueles pequerruchos  e em nome de um futuro desejado melhor para eles que mais tarde cumprirei uma obrigação. Irei pra janela me manifestar contra esse grupo de filhos das putas que louvam os torturadores e assassinos que praticaram o golpe civil-militar de 31 de março de 1964 implantando uma ditadura em nosso país. Não passarão!
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Um comentário :

  1. Sim, não passarão. Hoje meu tamborim ficou rouco de luta e resistência. Não passarão!

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