terça-feira, 24 de março de 2020

A vida em tempos de coronavírus (5)


Opinião 


Sei de pessoas próximas que moram em localidades distintas, distantes de capitais e com tratamentos de saúde e medicação monitorados pela saúde pública. São sexagenárias, e nesses dias de exceção elas foram visitadas por agentes de saúde que lhes levaram os medicamentos para que não saíssem de casa expondo-se à contaminação pelo coronavírus e para que cumprissem as orientações do isolamento cautelar.

Seria leviano e uma estupidez apontar  esses casos específicos como representativos da prática e da qualidade do serviço social em nosso país. Contudo, vale dizer que não são casos isolados. E mais do que isso, vale refletir sobre quais são os elementos concretos que dão suporte a essas ações e que permitem essa prática, que deveria ser  padrão em todas a unidades de administração da saúde pública.

Com essa premissa, para quem tiver curiosidade e um momento de folga, sugiro buscar a  Constituição do Brasil  e ler uma de suas partes mais bonitas e importantes: o Artigo 194 do Título VIII (Da Ordem Social).  O acesso é simples, uma busca na web e chega-se lá.

A leitura é breve, curtinha, nem é preciso cair dentro. É lá que está instituído um conceito que poucos conhecem: a: SEGURIDADE SOCIAL. Trata-se de um conjunto que integra um tripé: Saúde – Previdência Social – Assistência Social. Coisas distintas que formam o conceito de seguridade   e cujos detalhes se desdobram nos artigos seguintes ao 194.

 É a garantia estabelecida no conceito de Seguridade Social que suporta o atuação daqueles agentes de saúde que visitaram os beneficiados para entregar as suas medicações. Infelizmente, porém, é a nossa ignorância sobre esse conceito  que estimula propostas que fodem a população, entre outras, aquelas que se justificam como decorrentes do tal “déficit da Previdência”.  Os argumentos dessas propostas misturam os conceitos para convencer aqueles que não têm noção dos significados dessa garantia constitucional. A recente reforma da previdência usou e abusou dessa ignorância.

O Artigo 194 é onde está determinada a responsabilidade dos poderes públicos e da sociedade para assegurar os direitos associados  ao tripé:  Saúde, Previdência Social e Assistência Social. É lá, ainda , que o parágrafo único estabelece como princípios, entre outros: a  universalidade da cobertura e do atendimento da seguridade; a irredutibilidade do valor dos benefícios e a   diversidade da base de financiamento.

Foram difíceis as batalhas na Constituinte em 1987/88 para a garantia desses direitos. Sem eles, hoje precisaríamos comprá-los sob a forma de serviços das corporações privadas. E eles vêm sendo permanentemente ameaçados e degradados. Contudo, são esses direitos que estão obrigando o empenho governamental para assegurar o enfrentamento da crise de saúde que estamos vivenciando.

Já virou lugar comum nesses dias de coronavírus o anúncio da situação especialmente positiva da sociedade brasileira por contar com um Sistema Único de Saúde, o SUS, que é parte integrante da Seguridade Social e que abriga todo e qualquer cidadão. Nessa hora de sufoco, a população não conta com um puto de níquel, sequer, dos grupos privados. Todos os recursos são públicos e direcioná-los para uma cobertura universal do atendimento é um direito nosso.

Passada essa crise, a onda para a privatização da Seguridade Social retornará. Tomara que possamos (quem sobrar) nos apresentar como uma sociedade mais instruída sobre nossas possibilidades e direitos, e que as ações daqueles agentes de saúde que citei no início do texto sejam uma prática corriqueira e nacional.
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