Opinião
Hoje é domingo e mesmo que o dia peça
um cachimbo para relaxar, isolado e com os serviços de entrega abarrotados de solicitações,
nem mesmo tenho a quem pedir. A necessidade impôs uma ida ao mercado que fiz
cercada de precauções, e no caminho fui pensando com os meus botões. Porém, sem
qualquer criatividade, minhas reflexões não foram além do que deve estar na cabeça
de milhões de pessoas no Brasil e no mundo: até quando vai durar essa merda?
Engraçado é que comecei a escrever
esse texto, sem uma ideia completa de onde chegaria, mas minha diretriz era não
gastar letras com referências ao ex-capitão Bozo e sua trupe. Afinal, tenho
feito isso em outros textos. Mas, fui traído pelo subconsciente. Até
quando vai durar essa merda?
Na rua e no mercado achei as pessoas menos
tensas, mais relaxadas, diferentes dos primeiros dias de isolamento. Lembrei do
fotógrafo Sebastião Salgado, esse profissional especial que tem registrado e
divulgado para o mundo tanto as atrocidades praticadas pela humanidade entre si,
como as maravilhas naturais do planeta.
Em entrevista que não tenho como
resgatar, Salgado foi questionado sobre
as coisas que mais o impressionaram em suas experiências. Segundo ele, entre
outras ele se impressionava com a capacidade de adaptação do ser humano. Ele já
tinha visitado acampamentos e cidades que viviam horrores inimagináveis,
contudo, ainda assim, as pessoas buscavam alguma maneira de auto-organização e de tocar suas vidas, mesmo que viver não
fosse além de sobreviver.
O fotógrafo relatou que viu cidades
(acho que se referia à Guerra da Bósnia) onde o genocídio era a prática corrente,
e ainda assim as famílias tentavam levar suas vidas, indo fazer compras e
desenvolver outras atividades . Até as crianças iam para as escolas, num
cenário onde podiam ser assassinadas ou assaltadas e estupradas por um vizinho.
Nunca esqueci esse depoimento.
Essa vontade inquebrantável de viver
é uma característica do ser humano. Naturalmente não estou fazendo qualquer
comparação de cenário entre a experiência que estamos vivendo com o coronavírus
e aquelas registradas pelo fotógrafo, mas é interessante observar que vamos nos
ajeitando, nos arrumando.
Esse comportamento não deve ser
interpretado como indiferença, ao contrário, é justamente devido à
sensibilidade à dor que vamos adotando uma indolência que nos permite
suportá-la. Até onde eu sei, os faquires praticam exercícios que os permitem, por
vontade própria, alcançarem um estado de indolência física. Parece que em
certas circunstâncias os seres humanos em geral são levados inconscientemente a
um plano de indolência social, talvez como forma de sobreviver e conseguir
superar seus sofrimentos. Trata-se, acho, de uma característica que se desenvolve de forma distinta em cada um de nós. Em
alguns ela se desenvolve como fé religiosa, não é o meu caso. Eu tenho
esperanças.
Hoje é domingo e pede cachimbo, mas optarei
por uma cachaça e prosseguirei com minhas divagações esperançosas. Superar essa
etapa e prosseguir buscando um mundo melhor. Com o mesmo sonho lírico de
Riobaldo nas grandes veredas:
“ Para que eu carecia de tantos
embaraços? Pois os próprios antigos não sabiam que um dia virá, quando a gente
pode permanecer deitada em rede ou cama, e as enxadas saindo sozinhas para
capinar roça, e as foices, para colherem por si, e o carro indo por sua lei
buscar a colheita, e tudo, o que não é o homem, é sua, dele, obediência?”
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Nota:
O destaque da fala de Riobaldo eu
copiei do livro “A Foice e o Robô: As Inovações Tecnológicas e a Luta Operária”
- autor Eduardo Albuquerque – Ed. Página 7 – SP - 1990.
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