Opinião
“Se o homem
desaparecesse por completo da superfície do planeta este ficaria mais bonito.
Reconhecer isto é reconhecer um fracasso. Talvez, depois que tudo serenar, a
humanidade perceba que é possível um outro começo, mais próximo dos sonhos de
Greta, com menos aviões, menos consumo, trabalho a partir de casa, mais
solidariedade e mais harmonia.” [Jose Eduardo Agualusa -Jornal O Globo - 21/03/2020)
Esse é um trecho de artigo publicado pelo escritor angolano sobre as
ironias e paradoxos decorrentes da pandemia coronavírus. A “Greta” citada no
texto é a menina sueca Greta Thunberg, ativista ambiental cujo protesto viralizou na
internet.
O artigo é interessante, o que não é uma novidade considerando seu autor,
mas impliquei com a parte que destaquei. Não há como discordar do sonho
utópico, mas não compartilho da mesma expectativa. Impliquei porque tenho ouvido outras pessoas repetirem
essa expectativa de “conversão social” que, para mim, chega a ser pueril. Salvo
se estiverem imaginando que a crise virótica levará a humanidade ao limiar da extinção.
É duro aceitar, mas o sonho utópico que compartilhamos traz consigo o imperativo
de uma mudança radical e revolucionária das relações sociais, especificamente
no modo de produção e distribuição das riquezas. Sendo enxuto e direto: uma
superação do modo de produção capitalista. Porém, até o momento, tudo que assistimos
nega essa possibilidade. Ao contrário, o que estamos vendo é a reafirmação dos
valores capitalistas, mesmo diante da crise.
A leitura atenta das notícias mostra que as determinações governamentais
em quase todos os países, sem risco de erros, apontam para o suporte e
sustentação dos valores capitalistas dominantes no período pré-virus. Isso não
mudou. Está nos jornais, nas margens das notícias apavorantes sobre o avanço da
contaminação.
Partidos assumidos como radicalmente neoliberais pedem verbas públicas
para reforçar capital de giro das empresas; especuladores de fundos financeiros
são elogiados por seus ganhos no período do corona; socorro aos bancos são 11
vezes mais do que os direcionados a população mais pobre; o SUS disputa caixa
com empresas em busca de capital de giro, e a mais recente: governo chegou a
autorizar as demissões “temporárias” por 4 meses (está voltando atrás após a
repercussão do absurdo da medida).
Todas as medidas apontam para suporte ao capital e às corporações do
sistema capitalista cujos mecanismos estão tão ativos como sempre. Movimentações
financeiras especulativas de toda a natureza, a busca de apropriação oportuna
de recursos e a corrida por abrigo nos cofres públicos desses picaretas. Liberais
de meias tigelas.
Não nos enganemos. Sairemos da crise,
mas precisamos sair fortes e organizados para a luta política e as
transformações que queremos. Não se trata de luta do bem contra o mal, mocinho
contra bandido, nem de arrependimentos
e conversão de consciências. Trata-se da necessidade de superar um modo de
produção que foi engendrado pela própria sociedade, mas que não tem futuro. Um
sistema sem espaço para sonhos nem para a felicidade que só terão alguma chance
em uma sociedade que deixe o capitalismo para trás.
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