quinta-feira, 7 de maio de 2020

A vida em tempos de coronavírus (49)


Opinião


Hoje o dia não amanheceu carioca. Algum implicante diria que ele está meio paulista, mas seria apenas implicância, dessa típica de vizinhos que sempre trocaram farpas sem assumirem a admiração de um pelo outro.

Mas, paulista, ou qualquer coisa, o certo é que a cara desse dia não está nada carioca. Pode ser até que, considerando o fato de estarmos em isolamento social e que as coisas estão todas andando numa velocidade meio barrichello, quem sabe, o dia resolveu despertar mais tarde. Porém, já passou a metade dele e ainda está escuro, triste, chuvoso e desanimado. Parece que está esperando o que vem sendo anunciado pra hoje: o tal do  lockdown – já batizado pelos cariocas como o “tranca – rua”.

Desde ontem as notícias dão conta que uma decisão governamental ocorreria hoje, com a deliberação de um lockdown em todo o estado, incluindo a capital. Algumas regiões já estão com determinações de lockdown parcial, mas agora seria “à vera”.

A coisa tá feia! Tem encaminhamentos feitos pelo Ministério Público para esse tipo de decisão e pareceres da Fundação Oswaldo Cruz para que a medida seja adotada. Há uma quantidade enorme de casos de contaminação e óbitos na cidade, tem a velocidade das contaminações, tem a não adesão de parte significativa da população ao isolamento social e, especialmente, tem as condições e capacidade de atendimentos da rede de saúde. 

A rede pública já está com esperas de internações em UTI ultrapassando a casa do milhar e a rede privada com cerca de 90% da sua capacidade de atendimento comprometida. Em suma, estamos no limiar do colapso da rede de saúde como um todo ou até já entramos nele. Tudo leva à necessidade do tranca-rua. Pode ser até que a decisão seja anunciada enquanto elaboro esse texto.

As notícias que tenho acompanhado de outros locais informam que, na sequência do colapso assumido do sistema de saúde, outras situações se caracterizam, como a derrubada de pedras enfileiradas de um dominó. O sistema funerário é um deles. Há outros cujas restrições ainda não se fizeram sentir devido a esse isolamento social meia bomba que, entre outras dificuldades, vem sendo sabotado numa atitude genocida do governo federal. A determinação oficial do tranca-rua e o endurecimento dos controles teria consequência sobre tais sistemas que ainda funcionam oficiosamente.

Particularmente acho que é necessário esse tranca-rua. Assumo que o meu “acho” é quase leviano, mas essa não é a intenção. Uma das nossas fragilidades é justamente não contarmos com informações que permitam a qualquer cidadão a formação de uma massa crítica e emissão de uma opinião mais consistente, até para auxiliar as autoridades em suas decisões. Então, o jeito é fechar exclusivamente com a opinião de especialistas confiáveis, como é o caso dos profissionais da Fundação Oswaldo Cruz, e apoiar esse tranca-rua sem outras considerações.

Também vale esclarecer que me refiro a “esse” tranca-rua porque a entrada em cena do “outro”, aquele com letras maiúsculas, além de ser fundamental, não depende de decisão de governador.  Certamente ele já deve estar por aí, há bastante tempo, trabalhando e esforçando-se para atender às solicitações da galera que a ele já recorreu.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que talvez seja preciso atender a esse tranca-rua social, é fundamental não assumirmos o lockdown individual, dos sentidos e das emoções. Particularmente não me sinto ameaçado por essa possibilidade, felizmente, mas seria estupidez não considerá-la. Essa não pode acontecer. Tudo que vi mostra que essa contaminação não é muito diferente do coronavírus, não vemos chegar e quando percebemos já estamos contaminados.

Pensando assim, precisamos assumir essa atitude de resistência e enfrentamento como referência. Quem não o fez, sugiro adotá-la. Nem que seja por curiosidade. Talvez não seja uma razão nobre, mas sempre será um motivo e o importante é não esmorecer. Pode até ser um motivo mórbido, mas quero saber onde essa merda toda vai dar - e também quero ver muitos, muitos  e mais, mais, mais  dias cariocas.

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