Opinião
Hoje o dia
não amanheceu carioca. Algum implicante diria que ele está meio paulista, mas
seria apenas implicância, dessa típica de vizinhos que sempre trocaram farpas
sem assumirem a admiração de um pelo outro.
Mas, paulista,
ou qualquer coisa, o certo é que a cara desse dia não está nada carioca. Pode ser até que,
considerando o fato de estarmos em isolamento social e que as coisas estão todas
andando numa velocidade meio barrichello, quem sabe, o dia resolveu despertar
mais tarde. Porém, já passou a metade dele e ainda está escuro, triste, chuvoso
e desanimado. Parece que está esperando o que vem sendo anunciado pra hoje: o
tal do lockdown – já batizado pelos
cariocas como o “tranca – rua”.
Desde ontem
as notícias dão conta que uma decisão governamental ocorreria hoje, com a
deliberação de um lockdown em todo o estado, incluindo a capital. Algumas
regiões já estão com determinações de lockdown parcial, mas agora seria “à
vera”.
A coisa tá
feia! Tem encaminhamentos feitos pelo Ministério Público para esse tipo de
decisão e pareceres da Fundação Oswaldo Cruz para que a medida seja adotada. Há
uma quantidade enorme de casos de contaminação e óbitos na cidade, tem a
velocidade das contaminações, tem a não adesão de parte significativa da
população ao isolamento social e, especialmente, tem as condições e capacidade
de atendimentos da rede de saúde.
A rede pública já está com esperas de internações
em UTI ultrapassando a casa do milhar e a rede privada com cerca de 90% da sua
capacidade de atendimento comprometida. Em suma, estamos no limiar do colapso da rede de
saúde como um todo ou até já entramos nele. Tudo leva à necessidade do
tranca-rua. Pode ser até que a decisão seja anunciada enquanto elaboro esse
texto.
As notícias
que tenho acompanhado de outros locais informam que, na sequência do colapso
assumido do sistema de saúde, outras situações se caracterizam, como a derrubada
de pedras enfileiradas de um dominó. O sistema funerário é um deles. Há outros
cujas restrições ainda não se fizeram sentir devido a esse isolamento social
meia bomba que, entre outras dificuldades, vem sendo sabotado numa atitude
genocida do governo federal. A determinação oficial do tranca-rua e o endurecimento dos controles teria consequência sobre tais sistemas que ainda funcionam oficiosamente.
Particularmente
acho que é necessário esse tranca-rua. Assumo que o meu “acho” é quase leviano,
mas essa não é a intenção. Uma das nossas fragilidades é justamente não
contarmos com informações que permitam a qualquer cidadão a formação de uma
massa crítica e emissão de uma opinião mais consistente, até para auxiliar as
autoridades em suas decisões. Então, o jeito é fechar exclusivamente com a
opinião de especialistas confiáveis, como é o caso dos profissionais da
Fundação Oswaldo Cruz, e apoiar esse tranca-rua sem outras considerações.
Também vale
esclarecer que me refiro a “esse” tranca-rua porque a entrada em cena do “outro”,
aquele com letras maiúsculas, além de ser fundamental, não depende de decisão
de governador. Certamente ele já deve
estar por aí, há bastante tempo, trabalhando e esforçando-se para atender às
solicitações da galera que a ele já recorreu.
Curiosamente,
ao mesmo tempo em que talvez seja preciso atender a esse tranca-rua social, é
fundamental não assumirmos o lockdown individual, dos sentidos e das emoções.
Particularmente não me sinto ameaçado por essa possibilidade, felizmente, mas
seria estupidez não considerá-la. Essa não pode acontecer. Tudo que vi mostra
que essa contaminação não é muito diferente do coronavírus, não vemos chegar e
quando percebemos já estamos contaminados.
Pensando
assim, precisamos assumir essa atitude de resistência e enfrentamento como
referência. Quem não o fez, sugiro adotá-la. Nem que seja por curiosidade.
Talvez não seja uma razão nobre, mas sempre será um motivo e o importante é não
esmorecer. Pode até ser um motivo mórbido, mas quero saber onde essa merda toda
vai dar - e também quero ver muitos, muitos e mais, mais, mais dias cariocas.
#####
Nenhum comentário:
Postar um comentário