Opinião
Um
companheiro antigo, foi trabalhador da Embratel, militante político e sindical
de primeira linha, costumava brincar que a sociedade é como uma mulher maravilhosa que se apresenta para nós nua e com olhar cativante, incluindo o
irradiado por aquele olho vesgo no meio da testa. Com seios à mostra, sedutores
e desejados, todos os três, desfila com graciosidade sem depender nada de sua perna atrofiada. Com
um gestual engraçadíssimo e uma narrativa que infelizmente eu não consigo reproduzir,
ele prosseguia descrevendo uma figura completamente deformada, embora singular e até bela nas particularidades de algumas de suas partes.
Lembro
da brincadeira desse companheiro sempre que me deparo com certas situações que - para mim – são inesperadas e que me surpreendem porque estão bem além das que eram as minhas expectativas. Isso aconteceu hoje, ao
ver as notícias que viralizaram na web sobre a entrevista, na TV CNN, da namoradinha do Brasil, levada
ao cargo de Secretária Especial da Cultura no Ministério do Turismo do governo
Bozo.
Seria
ignorância minha surpreender-me com esse ou aquele fulano mostrando-se colado ao governo fascista. Afinal, o governo foi eleito e alguém terá que ter
votado nele, embora ele mesmo diga que, apesar da sua vitória, o processo eleitoral
foi fraudulento. Também não me surpreende que parte das pessoas tenham efetivamente
valores fascistas. É verdade que uma parte expressiva de eleitores foi
manipulada por lideranças religiosas evangélicas e, também, que no Brasil existe uma
máquina eleitoral, super eficiente, manobrada pelo capital privado que sustenta o loteamento do país em verdadeiros currais eleitorais.
Sei que o voto
obtido como produto dessa estrutura de domínio do processo eleitoral não tem qualquer relação com ideologia ou compromisso com valores
fascistas. Mas, também é verdade que uma boa parte dos apoiadores da trupe Bozo
são pessoas que tem acesso à informação e que fizeram a adesão por escolha sustentada por seus valores - a namoradinha do Brasil está nesse grupo. Em princípio, não deveria
surpreender-nos assisti-la declarar os seus valores políticos.
Mas, a
entrevista da namoradinha foi bem além das expectativas. Foi um espetáculo de reacionarismo, fascismo,
idiotice e cretinice, pra Damares nenhuma colocar defeito. A moça constrangeu o entrevistador cantarolando “Pra
frente Brasil!”, o jingle da TV Globo na Copa de 1970 que acabou se transformando num hino de memória da ditadura. Sorrindo e rebolando na cadeira, gesticulava e perguntava
se “não era bom quando a gente
cantarolava isso”.
Cara a cara com a entrevistada, o sujeito, sem sem
graça, e que pela jovem aparência nem devia ser nascido na época da canção inesquecível da namoradinha, comentou que as questões tinham a ver com as mortes na ditadura
(militar) e ela replicou perguntando: “por
que as pessoas se espantavam – na humanidade não se para de morrer – sempre
houve tortura”.
Em estúdio
distante, os repórteres colocaram um vídeo de outra artista, a Maite Proença, gravado no dia anterior e especialmente para a entrevista. A Maite
Proença criticou o silêncio da secretária sobre as mortes recentes de artistas
que são verdadeiros ícones da área. A namoradinha surtou. Empombou com os repórteres. Disse que aquele não era o combinado. Disse que estavam
desenterrando vídeos, desenterrando mortos, que os repórteres estavam
carregando um cemitério nas costas e que deviam estar cansados por isso. Os repórteres ainda replicaram que não estavam desenterrando, ao contrário o país estava enterrando centenas de pessoas em decorrência da pandemia do coronavírus. Foi um desbunde geral e a produção do programa encerrou a entrevista. Acredite quem quiser! A gravação da entrevista está acessível na web.
Mas, não
ficou por aí. Um general de pijamas, o mesmo que em 2018 fez ameaças à nação em
vésperas de julgamento do Lula, fez questão de emitir nota dizendo: “ fiquei encantado com a Regina pela
demonstração de humanismo, grandeza, perspicácia, inteligência, humildade,
segurança, doçura e autoconfiança que nos transmitiu”
Cara! Eu fico
estarrecido, e me acho um merda em minha capacidade de avaliações de situações
e de possibilidades, quando vejo uma figura como essa, a namoradinha do Brasil,
desabrochando politicamente.
Claro que a
mediocridade não tem limites, sei plenamente disso, mas burramente eu imaginava
que o governo Bozo já havia esgotado as possibilidades de novas figuras para os
seus quadros que fossem a um só tempo “notáveis” e caricatamente escrotas. Aí
aparece essa coisa, essa namoradinha, desse jeito, sem nenhuma necessidade
de explicação ou adjetivação. Puta que
pariu! Acho que estou encarando aquele olho vesgo que o meu amigo descrevia.
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