sexta-feira, 8 de maio de 2020

A morte em tempos de coronavírus (50)


Opinião


Um companheiro antigo, foi trabalhador da Embratel, militante político e sindical de primeira linha, costumava brincar que a sociedade é como uma  mulher maravilhosa que se apresenta para nós nua  e com olhar cativante, incluindo o irradiado por aquele olho vesgo no meio da testa. Com seios à mostra, sedutores e desejados, todos os três, desfila com graciosidade sem depender nada de sua perna atrofiada. Com um gestual engraçadíssimo e uma narrativa que infelizmente eu não consigo reproduzir, ele prosseguia descrevendo uma figura completamente deformada, embora singular e  até bela nas particularidades de algumas de suas  partes.

Lembro da brincadeira desse companheiro sempre que me deparo com certas situações que  - para mim – são inesperadas e que me surpreendem porque estão bem além das que eram as minhas expectativas. Isso aconteceu hoje, ao ver as notícias que viralizaram na web sobre a entrevista, na TV CNN, da namoradinha do Brasil, levada ao cargo de Secretária Especial da Cultura no Ministério do Turismo do governo Bozo.

Seria ignorância minha surpreender-me com esse ou aquele fulano mostrando-se colado ao governo fascista. Afinal, o governo foi eleito e alguém terá que ter votado nele, embora ele mesmo diga que, apesar da sua vitória, o processo eleitoral foi fraudulento. Também não me surpreende que parte das pessoas tenham efetivamente valores fascistas. É verdade que uma parte expressiva de eleitores foi manipulada por lideranças religiosas evangélicas e, também, que no Brasil existe uma máquina eleitoral, super eficiente, manobrada pelo capital privado que sustenta o loteamento do país em verdadeiros currais eleitorais.

Sei que o voto obtido como produto dessa estrutura de domínio do processo eleitoral não tem qualquer relação com ideologia ou compromisso com valores fascistas. Mas, também é verdade que uma boa parte dos apoiadores da trupe Bozo são pessoas que tem acesso à informação e que fizeram a adesão por escolha sustentada por seus valores - a namoradinha do Brasil está nesse grupo. Em princípio, não deveria surpreender-nos assisti-la declarar os seus valores políticos.

Mas, a entrevista da namoradinha foi bem além das expectativas. Foi um espetáculo de reacionarismo, fascismo, idiotice e cretinice, pra Damares nenhuma colocar defeito. A moça constrangeu o entrevistador cantarolando “Pra frente Brasil!”, o jingle da TV Globo na Copa de 1970 que acabou se transformando num hino de memória da ditadura. Sorrindo e rebolando na cadeira, gesticulava e perguntava se “não era bom quando a gente cantarolava isso”. 

Cara a cara com a entrevistada, o sujeito, sem sem graça, e que pela jovem aparência nem devia ser nascido na época da canção inesquecível da namoradinha, comentou que as questões tinham a ver com as mortes na ditadura (militar) e ela replicou perguntando: “por que as pessoas se espantavam – na humanidade não se para de morrer – sempre houve tortura”.

Em estúdio distante, os repórteres colocaram um vídeo de outra artista, a Maite Proença, gravado no dia anterior e especialmente para a entrevista. A Maite Proença criticou o silêncio da secretária sobre as mortes recentes de artistas que são verdadeiros ícones da área. A namoradinha surtou. Empombou com os repórteres. Disse que aquele não era o combinado. Disse que estavam desenterrando vídeos, desenterrando mortos, que os repórteres estavam carregando um cemitério nas costas e que deviam estar cansados por isso. Os repórteres ainda replicaram que não estavam desenterrando, ao contrário o país estava enterrando centenas de pessoas em decorrência da pandemia do coronavírus. Foi um desbunde geral e a produção do programa encerrou a entrevista. Acredite quem quiser! A gravação da entrevista está acessível na web.

Mas, não ficou por aí. Um general de pijamas, o mesmo que em 2018 fez ameaças à nação em vésperas de julgamento do Lula, fez questão de emitir nota dizendo: “ fiquei encantado com a Regina pela demonstração de humanismo, grandeza, perspicácia, inteligência, humildade, segurança, doçura e autoconfiança que nos transmitiu

Cara! Eu fico estarrecido, e me acho um merda em minha capacidade de avaliações de situações e de possibilidades, quando vejo uma figura como essa, a namoradinha do Brasil,  desabrochando politicamente.

Claro que a mediocridade não tem limites, sei plenamente disso, mas burramente eu imaginava que o governo Bozo já havia esgotado as possibilidades de novas figuras para os seus quadros que fossem a um só tempo “notáveis” e caricatamente escrotas. Aí aparece essa coisa, essa namoradinha, desse jeito, sem nenhuma necessidade de explicação ou adjetivação. Puta que pariu! Acho que estou encarando aquele olho vesgo que o meu amigo descrevia.
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