Opinião
O uso da
metáfora do “Ovo da Serpente”, tem sido
recorrente nas análises políticas sobre os dias que vivemos. Embora seja de
origem mais remota, as referências atuais copiam o uso feito em um clássico do cinema do
século XX, de mesmo nome, uma produção sueca de 1977, sob a direção e roteiro
de Ingmar Bergman.
Nos minutos
finais do filme, um dos personagens usa a metáfora referindo-se
à simbologia maléfica da serpente abrigada ainda em seu ovo que teria
(nunca vi) a característica biológica de ser envolto em fina membrana que
permite transparecer o seu conteúdo. O roteirista buscou representar as
circunstâncias políticas da Alemanha nos anos 20 e 30 do século passado,
referindo-se não apenas ao monstro que sairia do ovo, mas também à
possibilidade – ignorada – das pessoas anteverem o produto daquela gestação.
Boa coisa não sairia dali. Saiu o nazismo.
No Brasil, muitos
analistas têm, justificadamente, feito uso da metáfora ao tratar do governo
Bozo, mas é impressionante a recusa da sociedade em aceitá-la. Pior, ainda,
muitas lideranças políticas também se recusam. Estamos vendo o que está sendo
gestado – transparente, como um ovo da serpente – mas recusamo-nos
a aceitar.
Com ovo ou
sem ovo, essa gestação iniciou já nas mobilizações de 2013 com o despertar da
direita fascista associada ao capital privado e à lideranças evangélicas resultando
nas candidaturas e eleições da trupe Bozo.
O que
estamos vivenciando é apenas parte da serpente que ainda está em formação e se
fortalecendo dentro do ovo. Mas, podemos vê-la. A truculência das intervenções
do ex-capitão boquirroto; o desrespeito no tratamento de grupos marginalizados
socialmente; as mensagens gestuais de violência e de recurso às armas; as
ameaças diretas de ação violenta contra adversários políticos; o elogio à
tortura e aos torturadores da ditadura militar; as mensagens de estímulo à
violência repassada aos seus apoiadores em atos públicos; as referências diretas
aos seus poderes praticamente desqualificando os demais poderes da república; a
prática genocida de levar a população a desrespeitar o isolamento social de
proteção contra o coronavírus; os discursos em frente a sedes militares endossando manifestações
de apologia ao golpe; as iniciativas de transformação da policia federal em uma
policia política; o envolvimento familiar com milicianos e outros criminosos –
enfim, uma lista longa e quase interminável de ações e atitudes permitem
identificar as características de um ser maléfico e deformado que está sendo
gestado, mas ainda por brotar.
Seus
prosélitos sequer escondem propósitos. Fazem carreatas pedindo a implantação de
um regime militar, além de publicações sem quaisquer constrangimentos tentando
intimidar a sociedade. Afirmam que contam ao seu lado com as
forças de segurança pública, as policias militares e as policias civis. Ameaçam
a hierarquia militar dizendo que as bases estão com o capitão boquirroto e que o
resto não importa - o monstro virá. Mais transparente do que isso, impossível.
Essa gestação precisa ser interrompida, abortada.
Na atual
conjuntura, só poucos grupos sociais tem organização mínima para provocar esse
aborto. Talvez apenas os trabalhadores urbanos organizados em sindicatos e os trabalhadores
rurais organizados em seus movimentos de ocupação de terras. Quem sabe, também
os estudantes. O restante da sociedade ainda desorganizada será convocada e
poderá aderir ao processo.
Porém, esse
embate não se realizará enquanto as lideranças dos partidos que se relacionam
com esses movimentos e as próprias lideranças dos movimentos não explicitarem o
que está ocorrendo e as suas respectivas posições. A gestação prosseguirá enquanto ignorarem o ovo da
serpente, como estão fazendo, e ficarem nessa política aguinha de batata e
de conciliação, como ocorreu no último
1º. de maio. Uma vergonha. Apostam em futuras eleições e num
processo de troca de poder sem rupturas, quando o ex-capitão boquirroto não
cansa de repetir que apesar da sua vitória o processo eleitoral foi uma fraude
em favor dos seus adversários.
O país está
sendo corroído, assolado por uma pandemia biológica e uma pandemia econômica e
política. Um monstro já está atuando, mas outro pior, a verdadeira serpente,
ainda está para sair do ovo.
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