domingo, 1 de setembro de 2024

Uma revolta sem heróis

 

Leituras para distrair

 

No século 17 ou no Seiscentos ainda não existiam “brasileiros”. O conceito de identidade nacional é relativamente recente, mesmo no resto do mundo. Naquela época tinha dinastia, rei, império, donatários, metrópoles, colônias etc. A produção de cachaça no Brasil prejudicava os interesses da metrópole portuguesa que emitiu uma Carta Regia proibindo a fabricação e comercialização do produto por aqui, na colônia.

A proibição emputeceu a galera do agro fluminense que se desenvolvia no outro lado da baía de Guanabara em relação à cidade do Rio de Janeiro. Nada pop, senhores de terras e escravos,  mancomunados na atual cidade de São Gonçalo, que então era uma freguesia, organizaram-se a partir da região onde hoje é o bairro Gradim. Atravessaram a poça e promoveram um sapeca iá iá  na cidade do Rio de Janeiro, invadindo a Câmara de Vereadores, depondo o governador interino (o efetivo estava em São Paulo), assumindo o governo da capitania e conseguindo, mais tarde,  revogar as proibições.

A proibição da Coroa portuguesa foi em 13 de setembro de 1649, mas só dez anos depois, em 1659, o governador da ocasião resolveu fazer valer a determinação que seus antecessores ignoraram. O sapeca iá iá aconteceu em 8 de novembro de 1660 e a revogação das proibições foi conquistada em 18 de junho de 1661.

Recentemente, ano de 2021, nosso Congresso aprovou a instituição do dia 13 de setembro como o Dia Nacional da Cachaça, embora, curiosamente, a justificativa do projeto de lei (5428/09) esteja errada em relação às datas dos acontecimentos, mas o projeto vingou.

A Revolta da Cachaça não teve heróis. Foi iniciativa de proprietários de terras, contudo, segundo um importante jornalista e historiador sobre a época (Vivaldo Coaracy) as narrativas reduzem a participação popular que já acumulava descontentamentos com a corrupção do governo (aqui uma novidade: o governador do Rio de Janeiro era corrupto).  Segundo Coaracy:

"... Foi uma verdadeira revolução, em que pela primeira vez no Brasil o povo rebelado depôs um governador ... o simples fato da cidade ter durante seis meses se governado a si própria, exercendo todas as funções administrativas e legais, é suficiente para caracterizar a importância desse movimento.”

A produção e o consumo da cachaça acompanharam o curso do desenvolvimento econômico no Brasil. A produção de açúcar no Nordeste e Sudeste;  a extração do ouro avançando pelos confins mineiros; depois as práticas dos imigrantes açorianos, italianos e alemães que se repetiram no Sul. E a cachaça instituiu-se em todo o país como elemento de uma “cultura brasileira”, parte da nossa identidade, embora pagando o preço dos recalques e discriminações por sua origem popular.

Segundo Câmara Cascudo:

...a banalização da cachaça foi o segredo-motor de sua sobrevivência. Ficou com o povo, não mais numa quinta fidalga do Minho, e essa força obscura garantiu-lhe a contemporaneidade funcional.”

Gosto dessa interpretação do pesquisador. Com interesses finais e papeis distintos, hoje há um conjunto diverso de atores que trabalham para superar as discriminações e divulgar a cachaça de qualidade como bem cultural, agora brasileiro. A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro está engajada nesse projeto há 30 anos.

 

13 de setembro – 2024 – Dia Nacional da Cachaça

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