Leituras para distrair
No século 17 ou no Seiscentos ainda não existiam
“brasileiros”. O conceito de identidade nacional é relativamente recente, mesmo
no resto do mundo. Naquela época tinha dinastia, rei, império, donatários, metrópoles,
colônias etc. A produção de cachaça no Brasil prejudicava os interesses da metrópole
portuguesa que emitiu uma Carta Regia proibindo a fabricação e comercialização
do produto por aqui, na colônia.
A proibição emputeceu a galera do agro fluminense que se desenvolvia
no outro lado da baía de Guanabara em relação à cidade do Rio de Janeiro. Nada
pop, senhores de terras e escravos,
mancomunados na atual cidade de São Gonçalo, que então era uma freguesia,
organizaram-se a partir da região onde hoje é o bairro Gradim. Atravessaram a
poça e promoveram um sapeca iá iá na
cidade do Rio de Janeiro, invadindo a Câmara de Vereadores, depondo o
governador interino (o efetivo estava em São Paulo), assumindo o governo da capitania
e conseguindo, mais tarde, revogar as
proibições.
A proibição da Coroa portuguesa foi em 13 de setembro de 1649,
mas só dez anos depois, em 1659, o governador da ocasião resolveu fazer valer a
determinação que seus antecessores ignoraram. O sapeca iá iá aconteceu em 8 de
novembro de 1660 e a revogação das proibições foi conquistada em 18 de junho de
1661.
Recentemente, ano de 2021, nosso Congresso aprovou a
instituição do dia 13 de setembro como o Dia Nacional da Cachaça, embora,
curiosamente, a justificativa do projeto de lei (5428/09) esteja errada em
relação às datas dos acontecimentos, mas o projeto vingou.
A Revolta da Cachaça não teve heróis. Foi iniciativa de
proprietários de terras, contudo, segundo um importante jornalista e historiador
sobre a época (Vivaldo Coaracy) as narrativas reduzem a participação popular
que já acumulava descontentamentos com a corrupção do governo (aqui uma
novidade: o governador do Rio de Janeiro era corrupto). Segundo Coaracy:
"... Foi uma verdadeira
revolução, em que pela primeira vez no Brasil o povo rebelado depôs um
governador ... o simples fato da cidade ter durante seis meses se governado a
si própria, exercendo todas as funções administrativas e legais, é suficiente
para caracterizar a importância desse movimento.”
A produção e o consumo da cachaça acompanharam o curso do desenvolvimento
econômico no Brasil. A produção de açúcar no Nordeste e Sudeste; a extração do ouro avançando pelos confins
mineiros; depois as práticas dos imigrantes açorianos, italianos e alemães que
se repetiram no Sul. E a cachaça instituiu-se em todo o país como elemento de
uma “cultura brasileira”, parte da nossa identidade, embora pagando o preço dos
recalques e discriminações por sua origem popular.
Segundo Câmara Cascudo:
“...a banalização da cachaça foi
o segredo-motor de sua sobrevivência. Ficou com o povo, não mais numa quinta
fidalga do Minho, e essa força obscura garantiu-lhe a contemporaneidade
funcional.”
Gosto dessa interpretação do pesquisador. Com interesses
finais e papeis distintos, hoje há um conjunto diverso de atores que trabalham
para superar as discriminações e divulgar a cachaça de qualidade como bem
cultural, agora brasileiro. A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de
Janeiro está engajada nesse projeto há 30 anos.
13 de setembro – 2024 – Dia Nacional da Cachaça
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