Leituras para distrair
Nesses tempos de insuportáveis securas e queimadas, lembrei
uma experiência que já contei algumas vezes, mas não lembro de ter registrado. Uma
viagem em Rondônia, anos 80, seguindo a
rota de rádio da Embratel. Fazíamos um percurso de retorno, desde a cidade de
Vilhena, sul do estado, passando por Ji-Paraná, até a capital Porto Velho.
Tomando-se como referência o lado brasileiro (Rondônia faz
fronteira oeste com a Bolívia), Vilhena
é, ou era, a entrada na região amazônica para quem chega do Sul através do Mato
Grosso. Talvez a principal cidade ao sul de Rondônia, na época um estado
recém-criado. Para os caminhoneiros, as enormes antenas de tropodifusão da
Embratel em Vilhena eram uma referência. Um portal da Amazônia.
A rodovia era ladeada pela floresta em ambas as margens, e seguíamos desconfortáveis em uma Kombi durante a noite.
Muitas queimadas. O aeroporto de Porto Velho interditado
parte do tempo devido a fumaça. A viagem foi assustadora para mim, porque
viajamos atravessando um corredor de
fogo durante enorme parte do percurso. O motorista e um acompanhante local viam
tudo com naturalidade. Eu me cagava de medo.
As queimadas eram bem afastadas da estrada, mas à noite
pareciam próximas e que avançariam sobre nós. O que se via era como dois
intermináveis paredões de fogo margeando a estrada, uma visão assustadora que
não esquecerei.
Em dado momento, em meio aquele vazio total, deparamos com um
posto comercial de parada. Era um restaurante e tinha também outros serviços,
mas durante a madrugada estavam fechados, apenas o restaurante aberto. Paramos
e eu ansiava por uma bebida que não fosse água nem refrigerante ou suco. O
restaurante era grande, de propriedade e administrado por um casal. Foi quando
aconteceu o fato inesquecível e razão das lembranças e desse registro.
Eu esperava algo como uma cervejinha mambembe e choca quando
a dona abriu uma geladeira – querosene – e sacou uns belos vinhos gaúchos e
gelados. Era madrugada, mas a cozinha produziu deliciosos bifes que fizemos
desaparecer embalados pelo vinho. Conversa vai e vem, soubemos que o casal era
paranaense, uns dos tantos sulistas que ocuparam aquela região da Amazônia. Eram
muitos deles.
A parada e o encontro foram agradabilíssimos. Hoje sinto
frustração por não ter registro preciso sobre o local ou trecho da viagem. Difícil
imaginar que não existia celular e nem máquina fotográfica disponível naquele
momento. Mas, ficou a memória, ainda que com suas imprecisões. Retomamos nossa
rota. O fogo já não pareceu tão assustador. Chegando em Porto Velho deveríamos
seguir para Rio Branco, no Acre, mas esperamos ainda um ou dois dias até que
houvesse condições de voo proibido pela fumaça.
Em tempo: Esses fatos ocorreram na viagem de retorno. Eu escrevi
(em 2018) sobre a viagem de ida, num texto que dei o título “ Múmias Incômodas.
” Para quem se interessar, o link é:
https://blogdojorsan.blogspot.com/2018/09/mumias-incomodas.html
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