segunda-feira, 30 de setembro de 2024

São Gonçalo - 445 anos

 Leituras para distrair

 

Semana passada, 22/09/2024, a cidade de São Gonçalo (RJ) – onde nasci e cresci - comemorou 134 anos desde que foi elevada à Vila e Município desvinculando-se do município de Niterói. Embora oficial, esse é um marco inadequado porque esconde partes importantes e interessantes da história da cidade que já tinha cerca de 240 anos de existência quando foi incorporada à Niterói. A data oficial, só contabiliza a sua existência a partir da chamada emancipação política.

O fato é curioso porque os municípios como o próprio Niterói, Itaboraí e Maricá celebram suas respectivas histórias desde suas fundações como sesmarias. Por esse critério, São Gonçalo é tão quatrocentão quanto os seus vizinhos e nesse ano de 2024 estaria celebrando, então, 445 anos de existência, desde a data da entrega da Sesmaria a Gonçalo Gonçalves – o “Velho”,  em 1579.

As sesmarias estavam na lógica desse câncer histórico que é o latifúndio no Brasil. A coroa portuguesa como forma de ocupar suas colônias concedia o direito de uso, herança, mas não de propriedade, e obrigação de exploração de terras que eram as capitanias hereditárias. Os donatários das capitanias, por sua vez, tinham a prática de dividir suas terras em partes menores, que eram as sesmarias, repetindo a prática de concessão.

A historiadora e pesquisadora Maria Nelma Carvalho Braga, autora do livro  O município de São Gonçalo e sua história” – Ed. Apologia Brasil,  fez uma interessante linha do tempo que eu recortei (anexo) da minha edição (terceira edição, ainda independente).

Li a notícia, não posso confirmar, que com os seus trabalhos a pesquisadora conseguiu que a Prefeitura oficializasse a data de 6 de abril, data da entrega da Sesmaria a Gonçalo Gonçalves, em 1579, como marco fundante da cidade.







 

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Bips, Walk Talkies e Meio ambiente

 

Opinião

 

O caso dos bips e intercomunicadores no Líbano e na Síria, de uso do grupo Hesbolah, e que foram explodidos supostamente pelo governo de Israel, são apenas partes visíveis de tantas outras atrocidades bélicas que ocorrem quase cotidianamente e que fogem da nossa imaginação.

As tragédias visíveis, que alcançam as manchetes internacionais, trazem incertezas e inseguranças para as sociedades adjacentes às sociedades alvos, e provocam assombro e curiosidade naquelas mais distantes. Porém, em um e outro caso, o mais comum é que passem a ser banalizados em prazos cada vez menores .

Neste contexto, parece ser uma expectativa inútil e ilusória apostar que uma espécie sequer cuida de si, que se automutila e se autodestrói, na escala em que estamos presenciando, venha a ter algum tipo de cuidado com a preservação da natureza, do meio ambiente e do planeta como um todo

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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

História de vinho e fogo

 Leituras para distrair

 

Nesses tempos de insuportáveis securas e queimadas, lembrei uma experiência que já contei algumas vezes, mas não lembro de ter registrado. Uma viagem em Rondônia, anos 80,  seguindo a rota de rádio da Embratel. Fazíamos um percurso de retorno, desde a cidade de Vilhena, sul do estado, passando por Ji-Paraná, até a capital Porto Velho.

Tomando-se como referência o lado brasileiro (Rondônia faz fronteira oeste com a Bolívia),  Vilhena é, ou era, a entrada na região amazônica para quem chega do Sul através do Mato Grosso. Talvez a principal cidade ao sul de Rondônia, na época um estado recém-criado. Para os caminhoneiros, as enormes antenas de tropodifusão da Embratel em Vilhena eram uma referência. Um portal da Amazônia.

A rodovia era ladeada pela floresta em ambas as margens, e seguíamos  desconfortáveis em uma Kombi durante a noite.

Muitas queimadas. O aeroporto de Porto Velho interditado parte do tempo devido a fumaça. A viagem foi assustadora para mim, porque viajamos  atravessando um corredor de fogo durante enorme parte do percurso. O motorista e um acompanhante local viam tudo com naturalidade. Eu me cagava de medo.

As queimadas eram bem afastadas da estrada, mas à noite pareciam próximas e que avançariam sobre nós. O que se via era como dois intermináveis paredões de fogo margeando a estrada, uma visão assustadora que não esquecerei.

Em dado momento, em meio aquele vazio total, deparamos com um posto comercial de parada. Era um restaurante e tinha também outros serviços, mas durante a madrugada estavam fechados, apenas o restaurante aberto. Paramos e eu ansiava por uma bebida que não fosse água nem refrigerante ou suco. O restaurante era grande, de propriedade e administrado por um casal. Foi quando aconteceu o fato inesquecível e razão das lembranças e desse registro.

Eu esperava algo como uma cervejinha mambembe e choca quando a dona abriu uma geladeira – querosene – e sacou uns belos vinhos gaúchos e gelados. Era madrugada, mas a cozinha produziu deliciosos bifes que fizemos desaparecer embalados pelo vinho. Conversa vai e vem, soubemos que o casal era paranaense, uns dos tantos sulistas que ocuparam aquela região da Amazônia. Eram muitos deles.

A parada e o encontro foram agradabilíssimos. Hoje sinto frustração por não ter registro preciso sobre o local ou trecho da viagem. Difícil imaginar que não existia celular e nem  máquina fotográfica disponível naquele momento. Mas, ficou a memória, ainda que com suas imprecisões. Retomamos nossa rota. O fogo já não pareceu tão assustador. Chegando em Porto Velho deveríamos seguir para Rio Branco, no Acre, mas esperamos ainda um ou dois dias até que houvesse condições de voo proibido pela fumaça.

Em tempo: Esses fatos ocorreram na viagem de retorno. Eu escrevi (em 2018) sobre a viagem de ida, num texto que dei o título “ Múmias Incômodas. ” Para quem se interessar, o link é:

https://blogdojorsan.blogspot.com/2018/09/mumias-incomodas.html

sábado, 7 de setembro de 2024

Democracia e Comunicações

 Opinião

Para a galera historicamente engajada no projeto de democratização das comunicações que se estruturou efetivamente no combate contra a privatização das telecomunicações, a atualidade tem demonstrado o enorme prejuízo da desmobilização sindical pós desmonte e venda do sistema Telebrás.

Ao lutar pelo monopólio e pela garantia de um sistema público de telecom , tínhamos uma visão nítida e acertada sobre o valor estratégico das redes, incluindo as tecnologias sem fio e de satélites - que eram o objeto de disputa naquele momento.

Já fazíamos conjecturas sobre as possibilidades futuras dos ainda infantis serviços de comunicações de dados, como eram chamados por nós, embora naquelas décadas de 80 e 90 do século 20 ainda estivéssemos anos-luz distantes e sem a noção do que viriam a ser as redes e serviços criados na camada de aplicações da teleinformática, como a própria internet  e, notadamente, as atuais redes sociais.

Infelizmente, a degradação da organização sindical arrastou consigo os poucos núcleos então formados ou ainda em formação que agregavam às suas opções ideológicas conhecimentos profissionais e capacitação técnica,  certamente úteis na formulação e sugestão de pautas de intervenções, de mobilizações e de lutas por políticas de democratização das comunicações.

Não dá pra voltar a roda do tempo, nem cabe lamentar leite derramado, mas a reflexão nunca será demais e sempre contribuirá para o nosso aprendizado.

O estado da arte das tecnologias, a inclassificável concentração de riquezas, e o surto neoliberal  das privatizações trouxeram-nos ao cenário atual:  as big techs e suas redes, até mesmo um indivíduo, caso notório da rede X, ameaçam e disputam o poder com os Estados nacionais.

Aquilo que antes era tido como papo ininteligível de “ingênuos” tecnicistas, hoje é um poder que se materializou na realidade cotidiana com potencialidade e velocidade de transformações assustadoras.

Tal poder ameaça as estruturas das organizações sociais quando não destrói ou suprime valores e direitos fundamentais para um projeto de independência,  emancipação e libertação da humanidade.

A consigna “a luta continua” – desprestigiada - até parece brincar ironicamente conosco, mas sem outra eu continuo com ela. (Jorge Santos – Rio, 06/09/2024)

domingo, 1 de setembro de 2024

Uma revolta sem heróis

 

Leituras para distrair

 

No século 17 ou no Seiscentos ainda não existiam “brasileiros”. O conceito de identidade nacional é relativamente recente, mesmo no resto do mundo. Naquela época tinha dinastia, rei, império, donatários, metrópoles, colônias etc. A produção de cachaça no Brasil prejudicava os interesses da metrópole portuguesa que emitiu uma Carta Regia proibindo a fabricação e comercialização do produto por aqui, na colônia.

A proibição emputeceu a galera do agro fluminense que se desenvolvia no outro lado da baía de Guanabara em relação à cidade do Rio de Janeiro. Nada pop, senhores de terras e escravos,  mancomunados na atual cidade de São Gonçalo, que então era uma freguesia, organizaram-se a partir da região onde hoje é o bairro Gradim. Atravessaram a poça e promoveram um sapeca iá iá  na cidade do Rio de Janeiro, invadindo a Câmara de Vereadores, depondo o governador interino (o efetivo estava em São Paulo), assumindo o governo da capitania e conseguindo, mais tarde,  revogar as proibições.

A proibição da Coroa portuguesa foi em 13 de setembro de 1649, mas só dez anos depois, em 1659, o governador da ocasião resolveu fazer valer a determinação que seus antecessores ignoraram. O sapeca iá iá aconteceu em 8 de novembro de 1660 e a revogação das proibições foi conquistada em 18 de junho de 1661.

Recentemente, ano de 2021, nosso Congresso aprovou a instituição do dia 13 de setembro como o Dia Nacional da Cachaça, embora, curiosamente, a justificativa do projeto de lei (5428/09) esteja errada em relação às datas dos acontecimentos, mas o projeto vingou.

A Revolta da Cachaça não teve heróis. Foi iniciativa de proprietários de terras, contudo, segundo um importante jornalista e historiador sobre a época (Vivaldo Coaracy) as narrativas reduzem a participação popular que já acumulava descontentamentos com a corrupção do governo (aqui uma novidade: o governador do Rio de Janeiro era corrupto).  Segundo Coaracy:

"... Foi uma verdadeira revolução, em que pela primeira vez no Brasil o povo rebelado depôs um governador ... o simples fato da cidade ter durante seis meses se governado a si própria, exercendo todas as funções administrativas e legais, é suficiente para caracterizar a importância desse movimento.”

A produção e o consumo da cachaça acompanharam o curso do desenvolvimento econômico no Brasil. A produção de açúcar no Nordeste e Sudeste;  a extração do ouro avançando pelos confins mineiros; depois as práticas dos imigrantes açorianos, italianos e alemães que se repetiram no Sul. E a cachaça instituiu-se em todo o país como elemento de uma “cultura brasileira”, parte da nossa identidade, embora pagando o preço dos recalques e discriminações por sua origem popular.

Segundo Câmara Cascudo:

...a banalização da cachaça foi o segredo-motor de sua sobrevivência. Ficou com o povo, não mais numa quinta fidalga do Minho, e essa força obscura garantiu-lhe a contemporaneidade funcional.”

Gosto dessa interpretação do pesquisador. Com interesses finais e papeis distintos, hoje há um conjunto diverso de atores que trabalham para superar as discriminações e divulgar a cachaça de qualidade como bem cultural, agora brasileiro. A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro está engajada nesse projeto há 30 anos.

 

13 de setembro – 2024 – Dia Nacional da Cachaça

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Copo Furado - 30 anos

 

Leituras para distrair

 

Vem cá Brasil, deixa eu ler a sua mão, menino. Que grande destino reservaram pra você. E o Brasil cresceu tanto que virou interjeição. Lá lá lá lá lauê. Fala Martim Cererê

Martin Cererê é um poema ufanista (1928) que o Zé Katimba, em 1972, musicou em um lindo samba enredo para a Imperatriz Leopoldinense,  e que foi tema de muitas controvérsias.

A letra do samba diz que a expressão “ Brasil! ” se tornou uma interjeição de emoção positiva. As chamadas dos programas esportivos da Globo confirmam isso.

Controvérsias à parte, são fenômenos da linguagem. Autores e personagens literários deram origens a adjetivos. Termos como  dantesco, maquiavélico, quixotesco, kafkiano, orwelliano incorporaram-se ao nosso linguajar com maior ou menor popularização. E um desses termos que já foi super popular  é “ balzaquiana ” . Um adjetivo feminino referido originalmente às mulheres com idades em torno dos trinta anos ou passadas deles.

O francês Honoré de Balzac, lá pela metade do século 19, em seu romance “ A mulher de trinta anos “ tornou públicas questões que eram veladas pela moral de sua época. A inutilidade social e frustrações da mulher que atingia os trinta anos, auge de sua maturidade, sem cumprir as formalidades sociais obrigatórias de casamento e constituição de família.

Balzac expôs a opressão que sofriam as mulheres com a interdição de expressarem suas emoções, sonhos e desejos. Infelizmente a caricatura misógina prevaleceu no uso do termo.

Hoje a referência dos trinta anos das mulheres tornou-se quase caricata e foi deslocada na escala etária, contudo são muitos os interditos da época que permanecem e ainda obrigam e mobilizam a organização política feminina.

A Confraria de Cachaça Copo Furado do Rio de Janeiro, em  agosto de 2024, aos seus trinta anos, se faz balzaquiana de maturidade e experiência.

Porém, diferente da personagem Julia d’Aiglemont de Balzac, a Copo Furado celebra, manifesta e proclama seus sonhos e projetos. Ousadia! A Copo Furado chega aos seus trinta anos exuberando vontades e possibilidades, longe da personagem de Balzac.

A Confraria busca ser um centro convergente de pessoas com projetos em torno da divulgação da cachaça de alambique em diversas dimensões, cachaceiros assumidos que expressam suas preferências sem admitir  constrangimentos que não sejam aqueles auto impostos por suas finalidades.

Uma situação inusitada. Poucas áreas de interesse comercial nesse universo capitalista  contarão com uma " confraria " que trabalha para o fortalecimento dessa área sem outras motivações.

Tomara que continuemos assim. Até arrisco dizer que a Copo Furado está criando um novo significado para a expressão Confraria de Cachaça. Gosto disso. Beber unidos é um prazer enorme e sozinhos também! ### (Jorge Santos – Rio, 17/08/2024)