quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Nem mosca, nem moda, nem mistério


Opinião

Vivemos em uma ordem política que foi construída apoiando-se basicamente em um determinado modo de produção e de distribuição da riqueza. Uma ordem que é praticamente indiferente às nossas relações culturais, salvo alguma influência da religião que, apesar de sua importância, é apenas parte dos vários elementos que caracteriza a nossa cultura ou qualquer outra.

Eu não concordo com essa ordem política porque ela conflita com os meus valores de relações humanas. Acho uma ordem política covarde e desigual. Ela privilegia uma minoria que se sustenta na exploração e na exclusão da quase totalidade da população. Além disso, é uma ordem política sem qualquer projeto de melhoria desse quadro, ao contrário, aponta para um agravamento do mesmo num processo de crescente exclusão.

Tento me incluir entre os que buscam mudar essa ordem política em todos os seus aspectos, mas acho que, prioritariamente, precisamos alterar as regras de produção e de distribuição da riqueza. Somos uma nação detentora de uma riqueza enorme que nos coloca entre as grandes economias do mundo, contudo apesar dessa riqueza ser produzida por todos os trabalhadores, ela está concentrada em um grupelho. Numa população de 210 milhões de habitantes, as seis pessoas mais ricas concentram, juntas, a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres [1].

Para mudar esse quadro precisamos chacoalhar as nossas relações sociais. Não tem outro jeito! Mas, existem pessoas que não sentem ou que suportam a pressão dessa injustiça social , e temem que a chacoalhada necessária afete as posições em que estão. Elas não discordam de mudanças, desde que tudo continue como está.

Parte dessas pessoas age assim porque pensa no esforço que fizeram para chegar onde estão. Outras acham que estão no limiar de conquistar uma vaguinha na sombra, e há aqueles que acreditam que há vaguinhas nessa sombra para todos. Outras pessoas, apesar de completamente sem esperanças, imaginam que nada é tão ruim que não possa piorar. Finalmente, há o grupelho que está se dando bem, consciente da situação e sabedor, com clareza, que a chacoalhada necessária não será um bom negócio para ele.  O fato é que, ao final das contas, os desejos de todas essas pessoas convergem para a conservação do status quo, isto é, são conservadores.

Mas, a situação não encerra aí. Essas pessoas estendem o seu conservadorismo para todos os demais aspectos da sua vida além do socioeconômico. Esse conservadorismo é tão abrangente que qualquer proposta de mudança, aqui ou acolá, mesmo aquelas que decorrem do desenvolvimento do aprendizado humano e social são rejeitadas. Educação, comportamento, usos, costumes, expressões artísticas, religiosidade, quaisquer que sejam as áreas, as mudanças são tidas como perturbações indesejáveis. Sofrem reações sem sequer serem consideradas. Se essas pessoas vislumbrarem a possibilidade de alguma contrariedade aos interesses que lutam por preservar, até mesmo a democracia é vítima da reação sofrendo golpes parlamentares, atropelamentos jurídicos ou preterida em favor de ideias de conteúdos fascistas. Então, trata-se de um conservadorismo reacionário.

O conservadorismo reacionário criou regras que o justificam. Os seus adeptos usam essas regras ou ideias como se elas fossem verdades absolutas  dissociadas das suas escolhas e descoladas da realidade, ou seja, fazem disso uma ideologia. Nessa ideologia, qualquer coisa que signifique alterar a ordem política é simplificada como  “coisa de comunista”. Os que tentam mudar são comunistas. O comunismo deve ser combatido, não importa qualquer informação sobre que o que vem a ser esse tal de “comunismo”. Faz lembrar o sucesso da Rita Lee nos anos 70 “... ele quer modificar o mundo. Esse tal de Roque Enrow” [2].

O grupelho faz  essa simplificação por malícia, mas a maioria o faz por uma  ignorância decorrente dos cabrestos e antolhos em que eles próprios se deixaram prender, o que não isenta ninguém da responsabilidade de suas escolhas, naturalmente.

Assim, considerando as questões e disputas políticas que nos envolvem e aquelas pessoas das quais tenho discordado, não acho sinceramente que todos sejam adeptos do capitalismo ou que antagonizem de fato as minhas opções comunistas. Não acredito que rejeitem a possibilidade de um mundo melhor ou que queiram piorá-lo. Acho, sim, que são espontaneamente conservadores reacionários. Perigosos como suas escolhas têm demonstrado. Precisam ser combatidos.

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[1]
Seis brasileiros concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre – Jornal El País – 25/09/2017 – Matéria sobre a concentração de riqueza no Brasil baseada em estudo realizado pela Oxfam – Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/22/politica/1506096531_079176.html> Acessado em 04/11/2018.
Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief ) International  - Confederação de organizações reconhecida internacionalmente - atua em mais de 90 países.https://www.oxfam.org.br/
Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária - com Base nos Declarantes do Imposto de Renda no Brasil  2007—2013. Realizado pela Oxfam e Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC – Brasília – 2016 – Disponível emhttps://www.oxfam.org.br/sites/default/files/arquivos/livreto_injustica_tributaria_pt_v2_web_-final.pdf . Acessado em 30/01/2019.

[2]
Esse tal de Roque Enrow – Compositores Rita Lee e Paulo Coelho - Álbum "Fruto Proibido" - 1975. Disponível em  https://www.letras.mus.br/rita-lee/48508/ – Acessado em 30/01/2019

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