Opinião
Brincando recentemente com a lembrança do romance “1984” de
George Orwell, registrei alguns termos que chamei de Novilíngua 2023. Uma brincadeira para ajudar a pensar a vida e
o mundo contemporâneo. Narrativa; Arcabouço; Estrutural; Ancestralidade, foram alguns deles.
Ainda no finalzinho do ano, dei de cara com o termo Aporofobia
que tem sido divulgado pelo padre católico Júlio Lancellotti praticante de ações sociais com moradores de
rua na cidade de São Paulo (SP). Sem entrar nas raízes etimológicas do vocábulo,
vale o significado nos termos em que tem sido divulgado pelo padre Júlio:
Aporofobia
significa rejeição ou aversão aos pobres
Não se trata de uma aversão à pobreza, mas aos pobres, e o
padre Julio, em suas ações para mitigar as situações de miséria dos moradores
de rua, também tem denunciado veementemente a Aporofobia.
As pregações do padre têm tido repercussões, ao ponto da
Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo, em dezembro último, num ato de
escrotice extrema, ter aprovado um pedido de comissão parlamentar de inquérito
(CPI) para investigar organizações não governamentais (ONGs) que atuam na
região da Cracolândia, mas cujo objetivo principal – não é novidade – é constranger a atuação do
padre Julio Lancellotti
O padre Julio parece estar cagando para a possível CPI. Já
declarou que nem trabalha em ONG, que faz
trabalho da Arquidiocese, a Pastoral do Povo da Rua de São Paulo. A Arquidiocese, por sua vez, já se manifestou oficialmente criticando
a iniciativa do pedido de CPI.
Um termo, um vocábulo, não aparece na língua vindo do nada, ele
é praticado enquanto faz sentido na sociedade onde circula. Não é um fato
novo a existência entre nós de pessoas
que manifestam sua aversão aos pobres sem demonstrar aversão a pobreza. É tão
comum que até se faz caricaturas disso.
Um personagem de sucesso na TV , Caco Antibes, fazia a
caricatura da Aporofobia - “ Tenho horror a pobre!“ - era o bordão do
personagem interpretado pelo ator Miguel Falabella. E em minha infância, ainda na
era do rádio e antes da TV, o programa "Balança, mas não cai!"
divertia as pessoas com a dupla caricata: Primo Rico e Primo Pobre interpretada
pelos atores Paulo Gracindo e Brandão Filho, respectivamente.
A sociedade tem instituído alguns constrangimentos às piadas
de humor com homossexuais, negros,
gordos e carecas, que antes eram caricaturas
comuns no anedotário público, e hoje são
politicamente incorretas. Porém, ainda não há constrangimentos para as
exposições caricatas da Aporofobia.
Muitos implicam com o chamado politicamente incorreto. Não me
excluo. Busco me corrigir, mas não é uma reação espontânea, é elaborada. Acredito
que o incômodo desaparecerá com o fim da minha geração, as que virão reagirão
melhor. Mas, o fato é que o constrangimento representa um estado de
amadurecimento cívico e social. Sabemos a origem das proibições, e a
contrapartida é que elas carregam consigo uma vontade de desmontar visões preconceituosas
e, consequentemente, discriminatórias.
Enquanto isso segue a realidade social com seus conflitos e,
felizmente, existem padres Julios para pregar a distinção entre pobres e
pobreza, adentrando em espaços onde a militância tradicional nem mesmo se
atreve, e fazendo suas mensagens ressoarem com tal potência que chega a abalar
e apavorar canalhas com armaduras de mandatos parlamentares que além de
aporófobos são padrejuliófobos.
Em tempo: continuarei registrando termos da Novilíngua, agora
2024.
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