quinta-feira, 10 de junho de 2021

Dogs de Berlim e viralatas tupiniquins

Opinião

O advento da Netflix deu uma sacudidela no mercado de entretenimento cinematográfico, e um dos muitos efeitos secundários desse fato tem sido a divulgação de aspectos sobre as relações sociais contemporâneas  na Europa central que são interessantes porque vão além do modelo dominante pasteurizado pela cinematografia tradicional americana. 

As produções nada têm de revolucionárias em termos artísticos, adiante-se. Operam com tradicionais clichês da produção capitalista de bens e serviços: arte é mercadoria. 

Ocorre que as oportunidades de outras fontes e de outros focos de ambientação das produções permite a nós, no Brasil, vermos uma Europa até aqui desconhecida, distinta dos tradicionais postais e, surpreendentemente , bem  parecida com  o nosso dia a dia. Quem diria! 

Observo, e convido outros que o façam, que as ambientações e quotidianos sobre os quais os autores desenvolvem suas novelas ou series de costumes, apesar das características especiais: outro continente, outras culturas, outras situações socioeconômicas,  não diferem, em essência,  praticamente nada do que ocorre hoje, junho de 2021, nas grandes cidades brasileira, notadamente Rio e São Paulo. 

Alguém apressadamente poderá replicar que a escala é outra, mas a tréplica também é imediata: como medir? 

Quem quiser pode buscar na TV. As exibições são temporárias, mas  se repetem. Arte e refinamento não são suas especialidades. Como as novelas nacionais, repetem dramas mixurucas e sem criatividades. Mas, também como aquelas novelas, retratam em panos de fundo a realidade de modos e costumes locais. 

Uma dessas produções, que parece ainda estar em cartaz, tem o título: Cães de Berlim. Revela assustadoramente para os desavisados que em uma das mais modernas cidades do mundo, no século XXI,  há espaços com obstáculos físicos que são verdadeiras fronteiras entre o público e o privado. Territórios proibidos ao trânsito pedestre ou automotivo, incluindo a polícia. Bairros inteiros onde a polícia sabe que não tem jurisdição e nem pode realizar intervenções. Onde a lei e determinada pela gang ou milícia local. Soa familiar? 

Apartação social; a formação de guetos; discriminações xenófobas, de costumes, de religião, de raça e origens; a formação de poderes locais; limitação do poder do estado com territórios e fronteiras limites de poder; a exploração da miséria e necessidades humanas; o tráfico e a escravização de seres humanos; a promiscuidade entre os poderes informais e o político institucional sustentada pela corrupção – tá tudo lá, naquela europinha clean, objeto do encanto, desejo e dos uivos lamentosos dos capturados pelo complexo de viralatas. Alguns que até acreditam que esse é um mal de raiz tupiniquim,  deformação congênita irreversível que só se resolveria se a nossa sociedade fosse apagada da história para outro recomeço. 

Claro que é mais difícil para nós. Além do peso da nossa própria história e experiências políticas, sofremos carências econômicas que não se comparam, sem contar a situação política contemporânea nacional e internacional que subsume nossos destinos a outros contextos. Mas, também não avançaremos enquanto cultivarmos esse complexo babaquinha de incivilizados. Sentindo-nos menores porque por aqui um calhorda corrupto está no parlamento, na presidência ou  designado para uma embaixada no exterior, enquanto embasbacados vemos – na corte - ministros ou ministras, todos com carinhas responsáveis, indo trabalhar de ônibus ou de bicicleta, ou que são encontrados nas filas da padaria ou dos caixas eletrônicos, como “ gente comum ”. 

Ministros rosadinhos, administradores de países e cidades europeias ou nórdicas. Envoltas numa natureza bem cuidada e de beleza indescritível, sob as quais abrigam as imundícies de moderníssimas fábricas de psicotrópicos industriais, as maiores do mundo, que abarrotam o mercado internacional pervertendo crianças, jovens, adultos, idosos.


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