Leituras para distrair
Hoje gozei meu privilégio de morar na Praia do Flamengo, frente
para o mar e em local com fácil travessia das pistas de rolamento do Aterro. Semáforos
e passarelas em frente ao meu prédio permitem
e acesso a parte especial da praia com quiosques, barraquinhas, posto de salva
vidas etc.
Com o recente desvio do Rio Carioca, que agora despeja suas
sujeiras diretamente no interceptador oceânico em vez de fazê-lo na Praia do
Flamengo, a praia está quase despoluída, e uma conjunção de eventos climáticos favoráveis de ventos e marés - noticiados
nos jornais – tornam as águas claras e sem detritos. Um passeio na praia e mesmo
um eventual mergulho são um prazer especial, como eu disse antes: um
privilégio.
Com a audição congestionada de ouvir Chico Buarque por conta da
passagem do seu aniversário e da quantidade incontável de mensagens anexando
suas composições, cada uma mais bela que a outra, envolvi-me num clima de
alegria, felicidade e presunção de conviver uma geração especial de poetas
musicais inigualáveis como Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro, Cartola e Chico
Buarque.
Mas, o inusitado e que justifica essas anotações é que toda aquela
atmosfera de sublime Caribe Carioca pareceu desmanchar no ar ao ouvir os sons
musicais emanados das barraquinhas e quiosques. Chico, Cartola, Aldir e Paulo
Cesar são ilustres desconhecidos naqueles espaços.
Faço um esforço permanente para não fazer coro ao discurso
equivocado do tipo: “já não se faz música como antigamente”. Não endosso
esse discurso, compreendo as distancias entre as gerações, as experiências
distintas, contextos e , naturalmente, as produções e relações artísticas. Mas,
tô fora! Salvo nichos especiais que tenho acesso, a maioria das coisas que ouço
são feias e sem graça para o meu gosto musical. Pior para mim!
As bolhas de comunicações e os hiatos geracionais são uma realidade
que deve ser compreendida para que não caiamos na mesmice do conservadorismo
ou, pior, do reacionarismo. Talvez eu esteja na praia errada, mas, ainda
assim, não deixo de imaginar como seria
prazeroso se o som de fundo nas barraquinhas do Flamengo fosse alguma composição
do Chico. Qualquer uma porque certamente ela me faria lembrar outras e eu
seguiria cantarolando mentalmente, sonhando esse sonho impossível de desafiadora
auto interrogação: tentar responder qual a minha preferida composição do Chico?
### (Jorge Santos – Rio, 21/06/2024)