sábado, 22 de junho de 2024

Escolha difícil

 

Leituras para distrair

 

Hoje gozei meu privilégio de morar na Praia do Flamengo, frente para o mar e em local com fácil travessia das pistas de rolamento do Aterro. Semáforos e  passarelas em frente ao meu prédio permitem e acesso a parte especial da praia com quiosques, barraquinhas, posto de salva vidas etc.

Com o recente desvio do Rio Carioca, que agora despeja suas sujeiras diretamente no interceptador oceânico em vez de fazê-lo na Praia do Flamengo, a praia está quase despoluída, e uma conjunção de eventos  climáticos favoráveis de ventos e marés - noticiados nos jornais – tornam as águas claras e sem detritos. Um passeio na praia e mesmo um eventual mergulho são um prazer especial, como eu disse antes: um privilégio.

Com a audição congestionada de ouvir Chico Buarque por conta da passagem do seu aniversário e da quantidade incontável de mensagens anexando suas composições, cada uma mais bela que a outra, envolvi-me num clima de alegria, felicidade e presunção de conviver uma geração especial de poetas musicais inigualáveis como Aldir Blanc, Paulo Cesar Pinheiro, Cartola e Chico Buarque.

Mas, o inusitado e que justifica essas anotações é que toda aquela atmosfera de sublime Caribe Carioca pareceu desmanchar no ar ao ouvir os sons musicais emanados das barraquinhas e quiosques. Chico, Cartola, Aldir e Paulo Cesar são ilustres desconhecidos naqueles espaços.

Faço um esforço permanente para não fazer coro ao discurso equivocado do tipo: “já não se faz música como antigamente”. Não endosso esse discurso, compreendo as distancias entre as gerações, as experiências distintas, contextos e , naturalmente, as produções e relações artísticas. Mas, tô fora! Salvo nichos especiais que tenho acesso, a maioria das coisas que ouço são feias e sem graça para o meu gosto musical. Pior para mim!

As bolhas de comunicações e os hiatos geracionais são uma realidade que deve ser compreendida para que não caiamos na mesmice do conservadorismo ou, pior, do reacionarismo. Talvez eu esteja na praia errada, mas, ainda assim,  não deixo de imaginar como seria prazeroso se o som de fundo nas barraquinhas do Flamengo fosse alguma composição do Chico. Qualquer uma porque certamente ela me faria lembrar outras e eu seguiria cantarolando mentalmente, sonhando esse sonho impossível de desafiadora auto interrogação: tentar responder qual a minha preferida composição do Chico?  

### (Jorge Santos – Rio, 21/06/2024)

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Qualquer preço?

 Opinião

Precisamos garantir a governabilidade do governo que elegemos, e pagamos um preço por isso”. Com argumentos iguais ou similares, essa tem sido uma justificativa recorrente de alguns militantes diante de certas ações ou omissões do governo Lula quando pressionado pela direita política.

Contudo, vale perguntar: devemos pagar qualquer preço? E na sequência da pergunta: como saber se devemos pagar, qual é o critério?.

Tomemos como exemplo a atual investida da bancada de estupradores do Congresso e a intimidada reação governo Lula. Felizmente a mobilização popular arrefeceu o avanço dos parlamentares estupradores, embora sem calar suas intenções porque a proposta está mantida, e também forçou o governo se manifestar, embora tardiamente.

Parte do ministério governamental chegou a se manifestar, mas não autorizados a falar em nome do presidente - como se isso fosse necessário nesse tipo de questão. Lula, no exterior, inicialmente disse que teria que tomar mais conhecimento do assunto – como se a questão fosse uma novidade para ele. Quem não te conhece que te compre! Diria minha avó.

O seu representante na Câmara dos Deputados, quando questionado respondeu que “essa não é uma questão de governo”. Enfim, Lula atuou com as mesmas referências do comando de estupradores da direita que apostou em passar a boiada sem mobilização popular e foi surpreendido. Lula pisou na bola e pisou feio, outra vez teve uma reação de cagão.

Não há um consenso sobre o Lula cagão, nem eu trato essa questão como um atributo ontológico do presidente. Para mim é circunstancial e uma avaliação objetiva do governo deve decorrer de como ele responde às demandas que lhes são colocadas pela conjuntura política e não por minhas simpatias, empatias ou admirações por seus reconhecidos méritos. Dou mais valor à questão inicial:

Devemos  deixar de reagir às questões dessa ordem em nome de uma suposta garantia de governabilidade  e de evitar um impeachment? Qual deve ser o critério que determinará o sim ou não diante destas questões?.

A resposta é que só os fins justificam os meios, contudo não se justificam os meios que contradizem os fins que eles visam alcançar Esse é o critério!

Não dá para governar “esquecendo” os crimes da ditadura contra a população com a justificativa da garantia de um governo progressista e de representação popular. Assim como não dá para governar endossando o avanço de uma bancada de estupradores contra crianças e meninas mulheres em nome da garantia de um governo que teria como princípio justamente a defesa, a liberdade e a garantia de direitos dessas mesmas meninas mulheres. Isso é um contrassenso!

Essa prática contradiz o fim que ela diz querer alcançar. É um absurdo lógico e político! Não dá para praticar um governo escroto com a justificativa de garantir um governo que supostamente não seria assim.

Trata-se de um governo de alianças, então todas as questões terão esse caráter? Certamente não! Possivelmente o governo será uma sequência de concessões aos seus propósitos programáticos, mas há um limite, e esse limite são princípios que nem precisam ser enunciados, eles afloram na dinâmica dos embates. Não deverá haver contradições entre os meios e os fins.

###

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Uma bancada de estupradores

Opinião

Esse assunto PL do Estuprador não deveria ser deixado esquecer com o arquivamento, retirada de pauta ou coisa que o valha. O ideal seria que a mobilização que embotou o projeto se voltasse agora para marcar a ferro e fogo os seus autores e patrocinadores. 

Basta de consumir energias classificando a escrotidão do projeto, o que foi dito até aqui tem sido suficiente para denunciar a sua natureza. É preciso, contudo, apontar os canhões da indignação e repulsa para desvelar os seus autores, e para carimbá-los de tal forma que suas faces e nomes não consigam ser vistos, lidos ou pronunciados sem que sejam associados ao crime que executaram. 

Essas figuras não deveriam ficar impunes sob pena de se esconderem até sob outros crimes que certamente cometerão mais adiante. A punição deveria  ser  rebatizá-los acrescentando um apêndice, um identificador político. Por exemplo: O Eduardo, o Nicolas, a Bia, a Carla, o Escambau da PL do Estuprador. 

Também não dá para deixar ser levada pelo entusiasmo das mobilizações e passar batida a postura do governo Lula que fingiu que o assunto não era com ele. Como o vizinho inocente do Bezerra da Silva "...nasceu ai, não sou agricultor, desconheço a semente... " 

Outra vez cagão, Lula escondeu-se sob a autoridade de alguns dos seus ministros (de utilidades eventuais) que denunciaram o projeto, mas sem o endosso do chefe do governo nem autorizados a falar em seu nome. Cresce o número de situações em que o governo Lula assume essa postura. Está virando prática. ###

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Mísseis de Cuba e a inundação do Guaíba

Leituras para distrair


O colégio da minha neta, buscando integrar os alunos (crianças) aos eventos do RS, propôs como atividade que elas escrevessem cartas a um coleguinha imaginário riograndense. Os textos são emocionantes.

Guardadas as proporções e contextos, esse fato me fez pensar sobre como as crianças sentem ou percebem esses momentos de apreensões e angústias coletivas, e me fez lembrar da minha incompreensão e dos colegas, quando meninos, durante a crise dos misseis em Cuba e da ameaça de uma guerra atômica no ano de 1962.

Eu tinha 11 anos, iniciava o ginasial, e lembro do esforço de um determinado professor tentando explicar o significado das notícias que ocupavam todos os espaços da imprensa de então. A partir dessas lembranças, venho tentando imaginar como as crianças atuais do meu convívio estão absorvendo essas informações que anunciam um mundo sem perspectivas que não sejam tragédias.

Os fatos são trágicos e cotidianos e as versões são várias, umas consistentes outras com falsidades oportunistas. Gaza, Ucrânia, além de outros, e agora Rio Grande do Sul cujas inundações estão arrastando consigo o tema sombrio do aquecimento global e o esperado aumento da frequência das crises climáticas agudas. Sem contar a já quase banalizada tragédia das periferias brasileiras.

Alguém lembrará que enquanto as “minhas” ainda estão protegidas, há crianças que já estão sendo vítimas diretas desses acontecimentos. Replico: com toda razão! Não sei o que dizer.

No meu caso, por razões diversas não tenho conversado esses assuntos com os meus netos. São crianças de 8, 10 e 12 anos que independentemente das nossas vontades e apesar das blindagens que façamos são expectadores e ouvintes quase permanentes das notícias, além de potenciais personagens ou vítimas desse teatro dantesco. Não imagino como eles estão percebendo esses cenários.

Vivemos uma época em que a internet nos faz pensar que as crianças sabem tudo, e talvez saibam mesmo, no sentido de ter acesso a praticamente todas as informações – elas dominam aplicativos e navegam em redes de informações com mais desenvoltura que muitos de nós (do que eu, pelo menos). Contudo, como elas estarão introjetando essas informações? Quais serão suas dúvidas, angústias e inseguranças? Minha entrada na adolescência foi na Guerra Fria e eu tinha muito medo da tal bomba atômica.

Penso também que o ser humano tem certas defesas que são ativadas em situações extremas. Uma dessas defesas é a banalização dos eventos como forma de não sofrer com eles. Quem sabe, tais defesas sejam ativadas nas crianças que passam a ver as tragédias como fatos corriqueiros e que dispensam a solidariedade, aliás, o capitalismo cuida bem disso. A indústria do entretenimento cuida de misturar a ficção com a realidade de um futuro distópico. A nova temporada desta série eu não assistirei, a natureza cuidará disso.

###