Leituras para distrair
“ O dia
em que o morro descer e não for Carnaval “”.
Esse é o
primeiro verso de um samba do baterista Wilson das Neves em parceria com o poeta Paulo Cesar
Pinheiro. O samba segue: "Ninguém vai ficar pra assistir o desfile
final - Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral....”
A letra é uma crônica atual da cidade do Rio de Janeiro, desigual como tantas outras do país e, também como tantas, com suas peculiaridades. Pensei nisso ao ver notícias de jornais que anunciam:
"Samba do Morro do Pinto incomoda moradores do Porto "
Para quem
não conhece, o Morro do Pinto, no bairro Santo Cristo, é um dos morros que
ladeiam a região portuária da cidade, e "moradores do Porto" refere-se
à galera que está chegando agora àquela região do Rio, com a ocupação promovida
pela prefeitura através do projeto Porto Maravilha, e que passou a implicar com
os sons noturnos das já tradicionais rodas de samba locais.
A moçada
local, que gosta do Morro do Pinto do jeito que ele é, tem reagido. As reações
se propagam pela internet e são muitas, inclusive questionando o fato das
soluções arquitetônicas do Porto Maravilha serem inadequadas para a região. Por
que a prefeitura não fez incluir soluções acústicas nos projetos das
construções? Afinal, o Morro do Pinto
está lá, há mais de 100 anos, e o samba faz parte dele.
A relação do
samba com o Morro do Pinto não é uma invenção. Há 70 anos, Geraldo Pereira,
sambista que dispensa apresentações, compôs um clássico da coleção de sambas
cariocas, em que pese as incorreções políticas da letra se vista com olhares
atuais. Com o título “Escurinho”, o
samba fala de um sujeito que era
direitinho, mas que virou um brigão, e
entre as suas tantas peripécias ele
subiu o Morro do Pinto justamente para acabar com o samba.
Não é
novidade a segregação imposta por grupos mais favorecidos economicamente na
ocupação imobiliária de alguma área geográfica, os exemplos são vários. Curiosa
aqui, a meu juízo, embora não surpreendente, é a inversão das premonições dos
compositores do samba com a direção desses movimentos. O morro nem chegou a
descer.
Entre as réplicas às reclamações dos moradores recém-chegados ao Porto Maravilha algumas valem-se de argumentos poéticos e recorrem aos versos de outro samba do próprio Paulo Cesar Pinheiro, intitulado Nomes de Favela. O poeta escreveu:
“Por isso ainda prefiro ouvir um verso de samba, do que escutar som de tiro”.
Vida que segue!
Maravilhoso, preciso!
ResponderExcluirMuito bom. Segue o samba!
ResponderExcluirSomente o Jorsan para comentar com tanta propriedade... Um abração do Crenato.
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