sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Burguesia quinta-coluna

 Opinião

Aparados os excessos ufanistas, as falsidades ou redações maliciosas, além dos memes que são divertidíssimos, as notícias mostram a robustez do monstro americano. Fera ferida, mas não de morte nem derrotada.

Trump é o que é. Um parafuso solto numa engrenagem complexa. É tão caótico como um pêndulo duplo, mas ele é parte de uma engrenagem e precisa obedecer a outras determinações. Pode até parecer e agir como doidão, mas não vai queimar dinheiro nem comer merda.

A burguesia nacional, por sua vez, há muito fez sua escolha, e não foi ontem. Uma escolha histórica de dependência e subordinação ao capital internacional. A burguesia nacional nem mesmo tentou construir uma independência.  Desde os seus primórdios optou por alinhar o país como nação dependente no contexto das nações capitalistas.

Nesse momento vivemos uma crise que não é um ponto fora da trajetória e que precisa ser corrigido para tudo voltar ao normal. Trata-se de uma mudança da própria trajetória. Não é uma perturbação na relação bilateral entre as economias dos EUA e a brasileira, mas uma mudança de trajetória para a economia mundial. Essa é uma observação do professor Marcelo Carcanholo (UFF) que assumo completamente.

Ao lado das corretas intervenções do governo que estão sendo realizadas para a redução de danos provocados pelo tarifaço, e de outras situações que possam vir, é hora de se pensar também em uma modificação radical em nossa estratégia de desenvolvimento

Segundo o professor (em entrevistas e participações em fóruns publicados na web), podemos não saber muito bem para onde as coisas caminham, mas é justamente nesses momentos que precisamos considerar os custos e benefícios dos cenários possíveis, e de colocar na mesa o debate de reformas estruturais que repensem a inserção e a subordinação do país no comercio internacional.

Outros pensadores, com observações que não divergem do professor Carcanholo, advertem sobre a necessidade de também baixarmos o olhar que mira distante, na direção de Trump. A necessidade de mirarmos  a burguesia nacional, esse adversário interno que sempre atuou como quinta-coluna das grandes corporações capitalistas, e que, agora, revela-se sem pudores como aliado assumido das práticas intervencionistas de Trump.

Sem perder de vista a conjuntura internacional, porém buscando uma  restauração e fortalecimento de nossas energias, antes de tentativas provavelmente ineficazes de longo alcance, deveríamos optar pelo combate  direto, exposição e, na medida do possível, a exclusão, desses inimigos internos.

Os partidos políticos que se autoproclamam como partidos de esquerda, bem como as organizações que se assumem como progressistas, deveriam assumir essas diretrizes como orientadoras de suas atuações.

É infantilidade ignorar as atuais correlações de forças e o que significa antagonizar o império americano. Contudo, nesse caso, não se trata de escolhas, mas de circunstâncias. Também não se trata de assumir um alinhamento político automático com o governo Lula ou seu partido, mas de adotar práticas e propostas que signifiquem enfrentamentos concretos e objetivos com esse inimigo próximo. Chega de tratar a burguesia nacional como se algo positivo pudesse sair dali. Ela fede!   ####

quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Sem hora para terminar

Opinião

Lula já deu respostas satisfatórias e suficientes para as investidas do Trump. Elas nem são exatamente as que eu gostaria, mas eu não sou governo e, para mim, por ora, estão de bom tamanho. Por mim,  nesse momento, Lula rolaria a bola, sem réplicas. Não por submissão, mas por desconsideração.

Lula vem sendo instigado por interesses diversos e até maliciosos para responder cada vômito verbal do Trump. Não deveria desperdiçar munição. Já respondeu, e pronto! Até porque "quem fala muito acaba dando bom dia pra cavalo".

Outra vez os EUA buscam um golpe contra o Estado brasileiro. Já fizeram, no passado, com sucesso. Sempre como suporte para uma parte importante da burguesia nacional e seus gorilas militares. Agora a tentativa tem um aspecto diferente. Além de liderada, ela é  explicitada por um poderoso fascista que tenta se impor como imperador do mundo. Não tenhamos dúvidas, enquanto Trump for o líder político americano, a porrada descerá firme sobre o Brasil que nem é  visto como aliado político que refuta apoio, mas como um vassalo insurgente que recusa obediência quando deveria reconhecer o seu lugar.

Outro aspecto distinto é que os fascistas brasileiros, cabeças de ponte das investidas do Trump, possuem uma expressiva representação popular, embora, nesse momento,  não estejam contando com o apoio integral dessa representação em suas ações lesa-pátria. Por outro lado, com o com o domínio do que conquistaram no parlamento, avançam, eles próprios, chutando o pau da barraca da democracia liberal  na qual sempre se apoiaram.

Aproxima-se a data de julgamento do fascista tupiniquim. O ambiente é tenso e o momento é um marco histórico. Parece que estamos num jogo sem hora para terminar e até sem regras para cumprir. A sociedade brasileira está sendo forçada a optar sobre qual o nosso papel no contexto sociopolítico internacional, ainda que tratar esse assunto e fazer uma opção tenha sido  a menor de nossas prioridades. Mas, queiramos, ou não, é assim. ####

terça-feira, 26 de agosto de 2025

O morro nem chegou a descer

 Leituras para distrair

 

“ O dia em que o morro descer e não for Carnaval “”.

Esse é o primeiro verso de um samba do baterista Wilson das  Neves em parceria com o poeta Paulo Cesar Pinheiro. O samba segue: "Ninguém vai ficar pra assistir o desfile final - Não vai nem dar tempo de ter o ensaio geral....” 

A letra é uma crônica atual da cidade do Rio de Janeiro, desigual como tantas outras do país e, também como tantas, com suas peculiaridades. Pensei nisso ao ver notícias de jornais que anunciam:

 "Samba do Morro do Pinto incomoda moradores do Porto " 

Para quem não conhece, o Morro do Pinto, no bairro Santo Cristo, é um dos morros que ladeiam a região portuária da cidade, e "moradores do Porto" refere-se à galera que está chegando agora àquela região do Rio, com a ocupação promovida pela prefeitura através do projeto Porto Maravilha, e que passou a implicar com os sons noturnos das já tradicionais rodas de samba locais.

A moçada local, que gosta do Morro do Pinto do jeito que ele é, tem reagido. As reações se propagam pela internet e são muitas, inclusive questionando o fato das soluções arquitetônicas do Porto Maravilha serem inadequadas para a região. Por que a prefeitura não fez incluir soluções acústicas nos projetos das construções?  Afinal, o Morro do Pinto está lá, há mais de 100 anos, e o samba faz parte dele.

A relação do samba com o Morro do Pinto não é uma invenção. Há 70 anos, Geraldo Pereira, sambista que dispensa apresentações, compôs um clássico da coleção de sambas cariocas, em que pese as incorreções políticas da letra se vista com olhares atuais.  Com o título “Escurinho”, o samba fala de um sujeito  que era direitinho, mas que virou um brigão,  e entre as suas tantas peripécias ele  subiu o Morro do Pinto justamente para acabar com o samba.

Não é novidade a segregação imposta por grupos mais favorecidos economicamente na ocupação imobiliária de alguma área geográfica, os exemplos são vários. Curiosa aqui, a meu juízo, embora não surpreendente, é a inversão das premonições dos compositores do samba com a direção desses movimentos. O morro nem chegou a descer.

Entre as réplicas às reclamações dos moradores recém-chegados ao Porto Maravilha algumas valem-se de argumentos poéticos e recorrem aos versos de outro samba do próprio Paulo Cesar Pinheiro, intitulado Nomes de Favela. O poeta escreveu: 

Por isso ainda prefiro ouvir um verso de samba, do que escutar som de tiro”. 

Vida que segue!