sábado, 11 de junho de 2022

Se aqui tá assim, imagine lá, na frente!

 

Opinião

Dia desses uma amiga disse: tudo está insuportável. De fato, compartilho, assim como outros companheiros, esse sentimento de “insuportabilidade”. Um cansaço e decepção grandes, um desânimo doentio que parece aumentar a cada fato da conjuntura sociopolítica que vivemos. 

No meu caso, tento buscar algo que dê conta dessas sensações na medida em que não consigo reverter as suas causas. Faço isso enquanto posso. 

Sei que parece presunção, mas ainda acredito que a minha resistência, nos termos minúsculos que consigo exerce-la, tem alguma importância na luta geral pelos valores que defendo, além, naturalmente, de ser fundamental para algum conforto, se não for para a minha saúde mental. 

Assim, tento manter-me conversando entre companheiros e também com outros que não o são. Questionando e contribuindo para a formulação de críticas e de questões dos interesses que valorizo; divulgando ideias; participando aqui e acolá nas oportunidades que aparecem, mesmo que apenas fazendo número com a presença; servindo como referência para outros que olham ao redor contando com a minha companhia; praticando ações de solidariedade  dentro das minhas possibilidades; dando concretude a uma massa de população que justifica o empenho de incontáveis companheiros em enfrentamentos diretos, e até com perdas de vidas, em nome dos valores sociais que defendemos. 

Quando penso em outros que sequer conheço e que estão nas verdadeiras frentes de luta, sinto-me na obrigação de manter o meu posto, ainda que ele seja de uma insignificante e confortável retaguarda. 

Se aqui está assim, imagine lá, na frente! Lá estão lutadores cuja maioria sequer teve a oportunidade de escolher estar ali. Foram tragados pela violência de um sistema que se apoia na discriminação e exploração social, além do extermínio dos inconvenientes. Lá as barbáries se multiplicam e quase se banalizam. 

Nos centros urbanos as comunidades pobres estão se formando como guetos, longe de qualquer amparo social e submetidas a todo tipo de mazelas e submissões. A lei é local dos grupos mais fortes. 

Acumulam-se miseráveis e famintos. Uns poucos sobrevivem. Ergue-se um país de entregadores. Massa de explorados e desprotegidos de legislações trabalhistas. Populações são violentadas diariamente. Alguns morrem em chacinas, algumas delas praticadas por agentes do Estado, “em nome da lei”. 

No campo, as grandes corporações intoxicam e envenenam indiscriminadamente ambientes e populações. Tudo em nome do agronegócio. As comunidades, cuja rebeldia nem chega a passar da denúncia, sofrem retaliações que incluem ameaças diretas, agressões, destruição de propriedades comuns, até escolas, e assassinatos de seus representantes. 

As riquezas construídas com o produto do trabalho da população são entregues às corporações privadas. São privatizadas. E as riquezas naturais são destruídas em nome dos interesses dessas mesmas corporações. 

Florestas e rios são apagados dos mapas e, com estes, os seus habitantes: fauna, flora e seres humanos. Os processos são diversificados. Os indígenas foram transformados em inimigos internos do país. Caçados, expurgados dos seus habitats e exterminados. 

Militantes e lideranças que fazem o enfrentamento direto denunciando e tentando organizar alguma resistência a esse caos civilizatório desaparecem. As situações são tratadas com naturalidade pelas autoridades. 

Esse é o cenário da frente de batalha. Lá estão os combatentes diretos. Acordam sem saber se terão o que se alimentar ou se retornarão às suas casas após um dia de lutas. É desanimador e dói muito. Quase intolerável. Mas, por doloroso e insuportável que seja esse estado de coisas, essa é justamente a razão pela qual não dá para desistir. Não dá para deixar a galera abandonada lá, na frente, onde o bicho está realmente pegando. ###

 

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