sábado, 15 de janeiro de 2022

Houve uma época em que o mundo parecia simples

Leituras para distrair

 

Achei esse texto legal e copiei para compartilhar. Gosto muito do autor e lembrei-me de um monte de gente que guardou da física a imagem daquela disciplina obrigatória e aporrinhante do ensino médio. 

 

Houve uma época em que o mundo parecia simples

Autor: Carlo Rovelli [1]

 Na época em que Dante escrevia, pensávamos o mundo na Europa como espelho embaçado de uma grande hierarquia celeste: um grande Deus e suas esferas de anjos levam os planetas em sua corrida através do céu e participam com entusiasmo e amor de nossa vida, da vida desta frágil humanidade, que no centro do cosmos oscila entre adoração, rebelião e arrependimento. 

Depois mudamos de ideia. Nos séculos subsequentes, compreendemos aspectos da realidade. Descobrimos gramáticas ocultas, encontramos estratégias para nossos objetivos. O pensamento científico construiu um complexo edifício de saberes. A física foi a força motriz e unificadora, oferecendo uma imagem nítida da realidade: um vasto espaço onde correm partículas, impelidas e atraídas por forças. Faraday e Maxwell acrescentaram o "campo" eletromagnético, entidade difundida no espaço através da qual corpos distantes exercem forças um sobre o outro. Einstein completou o quadro, mostrando que também a gravidade é levada por um "campo": um campo que é a própria geometria do espaço e tempo. A síntese é clara e encantadora. 

A realidade é uma estratificação exuberante: montanhas nevadas e florestas, o olhar dos amigos, o estrondo do metrô nas sujas manhãs de inverno, nossa sede irrequieta, o deslizar dos dedos na tela do celular, o gosto do pão, o sofrimento do mundo, o céu noturno, a imensidão das estrelas. Vênus brilhando solitária no céu azul ultramarino do cerpúsculo... Pensávamos ter encontrado a trama de fundo desse pulular caleidoscópio, a ordem oculta atrás do véu desvendado das aparências. Era o tempo em que o mundo parecia simples. 

Mas, para nós, minúsculas criaturas mortais, as grandes esperanças não passam de breves sonhos. A clareza conceitual da física clássica foi varrida pelos quanta. A realidade não é como descreve a física clássica. 

Foi um despertar brusco do sonho feliz em que nos tinham embalado as ilusões do sucesso de Newton. Mas é um despertar que nos leva ao coração pulsante do pensamento científico, que não é feito de certezas adquiridas: é um pensamento em movimento contínuo, cuja força é precisamente a capacidade de recolocar sempre em discussão todas as coisas e começar de novo, de não ter medo de subverter uma ordem do mundo para buscar uma mais eficaz, e depois voltar a colocar tudo em discussão, subverter tudo de novo. 

Não ter medo de repensar o mundo é a força da ciência: desde que Anaximandro eliminou as colunas na qual a Terra se apoiava, Copérnico a pôs a girar o céu. Einstein dissolveu a rigidez da geometria do espaço e do tempo, e Darwin desmascarou a ilusão da alteridade dos humanos... A realidade se redesenha continuamente em formas cada vez mais eficazes. A coragem de reinventar profundamente o mundo: esse é o fascínio sutil da ciência que capturou as rebeliões da minha adolescência... ###

 

[1]

Copiado, sem autorização, do livro "O abismo vertiginoso – um mergulho nas ideias e nos efeitos da física quântica" – Carlo Rovelli – Ed. Objetiva 

Carlo Rovelli é físico teórico italiano, membro do Instituto Universitário Francês e da Academia Internacional de Filosofia da Ciência, professor do Centro de Física Teórica da Universidade Aix-Marseille. Especialista no estudo da gravidade quântica.

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